segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Teatro Turim - O último dia dos meus quatro anos

No final do espetáculo de ontem, os aplausos e o desligar dos projetores souberam a fim. Era o último espetáculo do Teatro Turim. Vamos aguardar pelo futuro daquele espaço mas, por agora, é um espaço a menos. Mas com muitos mais que ficam fechados lá dentro. Lembro-me de todos os mais.
Quando, em 2013, eu e a Ana Campaniço tivemos a veleidade de nos lançar numa criação a dois, um projeto embrionário do que viria a ser a nossa AC.CA Produções, batemos à porta do Turim. E a porta abriu. Poucos meses depois, apresentávamos lá o "Camarim", essa primeira peça, esse primeiro esboço de um projeto teatral a longo prazo.


Depois disso, tivemos muito por onde crescer e muita coisa por conquistar. Público, desde logo; interesse pelos nossos espetáculos, também; capacidade de concretizar uma programação regular, tivemo-la.


O Teatro Turim foi, assim, o habitáculo disto tudo. De um projeto em construção, de vários projetos em experimentação; salas com pouca gente, no início; salas surpreendentemente cheias nos últimos dois anos. Crescemos muito naquele teatro.

Criámos a Oficina de Teatro e, com ela, juntámos um grupo de pessoas empenhadas, com imensa vontade de aprender e de fazer arte. Fizemos arte com essas pessoas, as mesmas que ontem encerraram o Turim, com um espetáculo delicioso.


Em quatro anos vivem-se muitas histórias para contar e guardam-se muitas memórias. Não tem interesse largá-las, vão ficar no interior de cada um de nós que as viveu. E os mais importantes e marcantes são as pessoas com quem partilhámos esse tempo. Os colegas e os alunos, certamente, mas esses seriam os mesmos noutro lugar qualquer. Na verdade, do Teatro Turim levamos duas pessoas na memória e no coração.
A Lurdes Silva, a mulher que nos abriu a porta e disse sim, podem entrar; aquela que sempre e sem exceção nos brindou e a todos os que entraram ali dentro com um profissionalismo à prova de fogo; aquela que, em certos momentos, foi apaziguadora de tensões e stress pré e pós criativo.
Já sobre o Henrique Moreira, tenho uma coisa a dizer. Todos os espetáculos que fizemos estavam piores antes de ele intervir. Em tudo o que nos criámos, o Henrique colocou a sua atenção e a sua capacidade de, com uma luz que fosse, transformar algo potencialmente interessante em alguma coisa bonita. Quanto ao resto, também partilhou connosco os traumas pré e pós criativos e para todos eles teve uma palavra e um abraço.


Parece-me este um relatório sentimental breve e pouco exagerado do que foram quatro anos a habitar no Teatro Turim. É triste, dá uma certa nostalgia ver algo assim acontecer mas não é o fim do mundo. Há um certo peso quando a cortina se fecha pela última vez e se sente que vão ficar muitas saudades mas tudo vai continuar noutro local, noutros locais. O que fica é apenas isto. Histórias, memórias e, no nosso caso, um período muito importante e muito intenso de um percurso artístico.


Por fim, deixo uma mensagem para os proprietários do Teatro Turim, uma mensagem de agradecimento. Se tudo o que atrás vivi e descrevi a eles se deve. Deveu-se a eles a existência de um lugar de experimentação, de criação, de teatro. Por todo o público que pode desfrutar de coisas boas e tão diversas, por todos os meus colegas que ali encontraram, como eu, oportunidade e acolhimento para trabalhar, para mostrar projetos, para fazer arte, o meu muito obrigado.
Sei bem dos encargos financeiros que manter um teatro a funcionar comporta, sei bem do escasso retorno desse investimento mas também sei bem da importância de ele existir. Quando vejo alguém interessado ou permissivo em que um teatro exista, em que profissionais do espetáculo tenham onde criar, em que o público tenha acesso à Cultura, não podia ficar senão inteiramente grato.
Não o devendo fazer, julgo falar por todos os que, de uma forma ou de outra, contactaram com o Teatro Turim. Ele foi importante para mais do que uma geração de artistas. Por isso, neste momento de interrupção, a minha última palavra vai para quem detém o Teatro Turim. Obrigado por ele ter estado cá até agora! Se ele voltar, será tão ou mais importante do que o que já foi.





sábado, 16 de dezembro de 2017

Uma lista de 2017: "Menina sem Estrela" de Nelson Rodrigues

Estamos em período de listas. São as listas dos melhores do ano. Os melhores filmes, as melhores séries, os mais vistos, os mais gostados, os mais gozados, os mais bem vestidos e os mais queridos, os mais cómicos e os mais dramáticos, os mais ricos e os outros, listas, listas, listas... Os melhores de 2017. Gosto de listas, ainda que as ache perfeitamente inúteis. Na lista de coisas inúteis incluo as listas. Mas, no final do ano, fazem-se listas. Também de livros. Os mais vendidos, os mais lidos (que é diferente de mais vendidos) e os melhores. Gosto de listas, acho-as inúteis, quero fazer uma lista!

De livros. Não vou selecionar os melhores. Li poucos o suficiente para não saber escolher os melhores e talvez não tenha lido nenhum dos melhores. Mas li alguns de que gostei. Nos próximos dias selecionarei algumas leituras que fiz em 2017 para falar delas e recordá-las. É uma lista o que vou fazer nos próximos dias.

Não seguindo qualquer ordem nesta lista que vou fazer - também não aguento listas ordenadas -, hoje menciono uma obra de caráter autobiográfica de um dos meus autores de eleição, Nelson Rodrigues. A Menina Sem Estrela reúne as memórias do dramaturgo brasileiro, numa escrita fluída, crua e apaixonante.
Nestas memórias estão a morte, a sexualidade, a violência, o sarcasmo, o êxito e a rejeição. Uma extensão das peças de Rodrigues ou a causa delas, não sei e não interessa porque tudo isso existe, tudo isso é forte, tudo isso trágico e as memórias não têm de ser belas, têm de ser memórias.

Edição Tinta da China - Novembro de 2016



"O grande ator nada tem de truculento nem berra. É inteligente demais, técnico demais; e tem uma lucidez crítica, que o exaure. O canastrão, não. Está em cena como um búfalo da ilha de Marujó. É capaz de tudo. Sobe pelas paredes, pendura-se no lustre e, se duvidarem, é capaz de comer o cenário. Por isso mesmo, chega mais depressa ao coração do povo, deslumbra e fanatiza a plateia"

domingo, 10 de dezembro de 2017

As Solidárias

Elas dão, elas baralham
Elas tiram, elas caralham
Preocupam-se com quem não tem
Voam alto por alguém
Multiplicam dez por cem
São umas tipas bestiais
São uns gajos tipo brutais
Fazem o que ninguém imagina
Mesmo trinta por uma linha

São profundamente…
Fogo!... São mesmo do caralhiço
Elas causam rebuliço
Eles dão tudo por isso

Mas, no fim, de formas várias
Vem-se a saber que as canalhas
De formas várias
As canalhas
Elas tiraram e abusaram
Foderam e refoderam
Só não fizeram o que não quiseram
De formas várias se soube
E por tantas coisas várias
E por serem más e várias
Putas, longe!
Mas estou farto de solidárias.

(Carlos Alves, 10/12/2017)

Fonte imagem: Revista VIP


sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Em Novembro, Sexo é Quando a Avó Quiser

"SEXO É QUANDO A AVÓ QUISER" estreia dia 16 de Novembro, no Teatro Turim, em Benfica.
Esta é a nossa nova produção, que conta com Ana Campaniço, Carlos Alves e Susana Rodrigues. Depois de Os Nossos Vizinhos Dormem Cá em Casa, apresentamos um novo espetáculo que terá a exploração absurda de certas atitudes humanas como pano de fundo.

Um jovem casal, empenhado na construção de uma vida em conjunto, é surpreendido, numa noite, pela chegada da avó dela. Despejada do prédio, alegadamente para que este seja convertido num hotel, a avó rapidamente toma conta da casa e da vida deste casal. É este o ponto de partida para uma comédia de situação, recheada de momentos hilariantes provocados pelo choque de personalidades e da invasão de privacidade do outro.



quarta-feira, 23 de agosto de 2017

"Panela de Pressão" é o novo programa de humor da RDS Rádio

No final de julho, quando iniciei a habitual pausa de Verão da rubrica "Dias em Crónica" na RDS Rádio, já sabia que ela não voltaria. Não o quis anunciar, ainda havia muito para planear, para pensar, discutir e decidir, mas a minha convicção era essa. A minha convicção era que, após quase quatro anos a fazer aquela rubrica na maior rádio das regiões de Lisboa e Setúbal, havia necessidade de refrescar. Até porque já não aguentava mais ouvir aquele genérico. O humor na rádio é um trabalho muito específico, em que o texto importa, a voz é essencial mas estamos numa zona em que os olhos não veem e o coração tem de sentir.

Foi então que, ainda em julho, apresentei a minha nova proposta à RDS. Vamos, em setembro, apresentar uma rubrica de cara lavada, passada no crivo de quatro anos de sucessos e erros, acrescentada com ideias que nunca chegaram ao microfone, alicerçada na certeza de que não farei humor controlado (porque está muita gente a ouvir... ai, ai), pois certamente ganharia mais em estar calado. Eles aceitaram e eu deitei mãos à obra.

Assim surge agora o "Panela de Pressão". Na rádio, nos mesmos horários da rubrica anterior, e depois em podcast, em setembro. A data será anunciada muito em breve.






quinta-feira, 27 de julho de 2017

Coisas de Mulheres


Depois da participação no Got Talent Portugal, a Ana Campaniço decidiu começar a preparar um monólogo completamente novo. "Coisas de Mulheres" foi o mote para a minha escrita de um texto humorístico que mergulhasse nessa imensidão de "coisas". O resultado é apresentado, em estreia nacional, em setembro, no Teatro Turim, em Lisboa.


SINOPSE
As histórias da condição feminina na aparente vulgaridade do quotidiano de todas as mulheres num espetáculo hilariante e único. Em cima de um palco são expostas todas as questões às quais nenhuma mulher é indiferente e das quais nenhum homem sai como inocente. As dietas, os filhos que existem ou não, as roupas, os casamentos, o sexo e muitos mais temas serão abordados de forma crítica e atípica. “Coisas de Mulheres” é um monólogo intensamente cómico na abordagem que faz ao universo feminino. Interpretado por Ana Campaniço, decerto levará a espectadora, e não menos o espectador, a rever-se nas situações relatadas, como quem ri ao espelho.


segunda-feira, 17 de julho de 2017

Sunset no Verão, Silly Season o Ano Inteiro

Estamos em plena época de caça ao sunset. O que é o sunset? É o por do sol. É uma coisa que já existe pelo menos desde que há sol mas agora até para isso é preciso um vestido novo e um copo de gin. Ninguém vai ver o por do sol de calções, t-shirt e chinelos. O por do sol tem de ser visto com roupa da Bershka, litros de água tónica com gelo e um pouco de bebida amargosa lá dentro, ao som de uma música que faça lembrar uma empresa de mudanças a carregar móveis para uma carrinha. Por isso, procurem na em blogues da especialidade quais os sunset perto de vós onde poderão ir hoje!

- Mas não posso ver o por do sol da varanda da minha casa? - pergunta o leitor.
Podes. E até é mais inteligente.

O verão é, além do mais, pródigo em lixo informativo, pelo que infografismos com os melhores sunset deste Verão também poderão ser consultados em jornais ditos de referência e outros.
De resto, valia mais que os jornalistas tirassem todos férias porque, durante estes meses, só se enterram. A verdade é que, cada vez mais, se enterram o ano todo. Mas, no Verão... Ninguém está com paciência para notícias importantes e então vai de lhes servir banalidades. Nesta época, toda a imprensa vira revista de cabeleireiro.
Eu devo contar que uma vez, já há muitos anos – quer dizer, muitos também não tenho, mas já há alguns anos –, pouco tempo depois de acabar um curso de jornalismo, passou-me a ideia de ir pedir emprego a um grupo desses que detêm uma panóplia de revistas ditas cor de rosa. Uma empresa que começa por I e acaba em A e rima com sala ou pala. Enfim, eu não devia estar bem nessa altura para achar que talvez pudesse fazer sentido eu escrever sobre a congestão nasal de Rita Pereira ou banalidades sobre outras pessoas sem qualquer relevância social, muito menos cultural. Na altura, eles perceberam mais depressa do que eu que isso não fazia sentido e não me deram emprego. Claro que arranjei outro logo a seguir e até hoje nunca fui responsável por frases como: “veja os melhores decotes da festa da TVI”, “José Carlos Pereira em clima de romance com (preencher espaço branco, porque eu não sei os nomes das pessoas) ou “David Carreira na nova novela da TVI”.

Bom, mas esta última ninguém devia ser obrigado a escrever.


terça-feira, 11 de julho de 2017

Lá Não É Como Cá

O Verão é a melhor época para ficarmos a conhecer como funcionam os outros países. Como funciona a França, a Suíça, o sistema de Saúde do Luxemburgo e a Segurança Social da Alemanha; quanto é que um trabalhador desconta por lá? E que direitos tem? E tudo, e tudo?...

Porque, atenção, lá não é como cá! – Esta é uma frase com a qual todo o rol de explicações vai começar

Porque, lá, nós vamos ao médico e ainda é o médico que nos paga por termos ido;

lá não é como cá, porque, lá, compramos um carro e o carro vem por aí fora e tem travões e embraiagem já incorporados

sim, mas cá também…

mas lá não é como cá, porque, lá, os travões vão a fundo e travam…

traz aí duas cervejas para este rapaz! quanto custam? Dois euros?! Traz quatro cervejas para este rapaz porque lá não é como cá, com dois euros nem uma cerveja bebes!...

Agora, só volto cá na reforma, porque lá não é como cá, eu desconto e eles dão-me a retraite assim sem pedir… levam-ma a casa e ainda pedem desculpa!

Agora, só volto cá para o ano, no mês de agosto, antes da retraite, porque… lá não é como cá, não fico no café até às dez da noite, nem passo as tardes no shopping ao domingo, nem vou ver o Benfica ao estádio, nem o Tony Carreira ao Olympia porque…

lá não é como cá, se fizesse isso tudo, estava lixado, vinha de lá endividado, sem retraite, sem carro nem travões nem dois euros para pagar duas cervejas, porque…

lá não é como cá

cá estava-se bem melhor mas agora não dá jeito

deixem-me gozar o prato durante duas semanas porque o resto do ano é só marmita


sábado, 1 de julho de 2017

Quatro dias a morrer duas vezes

No Teatro Turim, em Lisboa, está a decorrer mais uma apresentação da Oficina de Teatro. Sob a direção dos atores Carlos Alves e Ana Campaniço, os alunos apresentam "Nem Que Morra Duas Vezes", um "espetáculo carregado de marcas expressionistas, transportadas para um registo de comédia negra, com a música e a dança a marcar o ritmo de um cabaret a descobrir e onde imergir".

Esta é a terceira criação saída da Oficina de Teatro do Turim, fruto do trabalho e aprendizagem desenvolvidos ao longo de períodos de três meses.

De acordo com a coordenação do workshop, este vai entrar agora em período de férias, retomando no mês de setembro. Até lá, estão abertas inscrições para que novas pessoas possam entrar.


quinta-feira, 22 de junho de 2017

Poema Revelado Por Uma Comuna

Se eu fosse poeta e a poesia fosse coisa vã
Narraria com palavras simples a profunda dor que em mim não há
Vejo os barcos a passar, alegra-me o orvalho da manhã
E, adulto crescido, recordando a sopa da mamã
Escrevo o que vejo e não sinto
(Porque sopa não se sente nem é bom tema para poetas)

Espalharia por toda a parte
Se poeta fosse um dia
As linhas da minha poesia

Dariam meus temas motivo de estudo
E análises feitas, não importa se bem ou mal,
Sairiam impressos e tudo
No enunciado do exame nacional
Sigilosamente preparado por uma comissão.
Tanto texto estudado, um que sai outro que não,
E meu poema guardado de forma tão soturna
Viria a ser revelado por uma comuna.

(Carlos Alves)




segunda-feira, 19 de junho de 2017

À Terceira, da Oficina para o Cabaret

A Oficina de Teatro do Turim vai já na sua terceira criação. Este mês é apresentado o terceiro espetáculo, interpretado pelos alunos da Oficina, dirigidos pelos atores Carlos Alves e Ana Campaniço.
"Nem Que Morra Duas Vezes" é a peça que estará em cena durante quatro dias, uma oportunidade para assistir ao trabalho deste grupo e à sua evolução.
Este é "um texto inédito e um espetáculo carregado de marcas expressionistas, transportadas para um registo de comédia negra, com a música e a dança a marcar o ritmo de um cabaret a descobrir e onde imergir", explicam os responsáveis pelo curso.
Com uma regularidade de sensivelmente três meses, os alunos da Oficina de Teatro do Turim apresentam ao público um espetáculo novo, fruto do trabalho feito em ambiente de aulas. "Nem Que Morra Duas Vezes" sucede a "Nós Não Somos Atores" e "Duelo de Vaidades" e pode ser visto entre 29 de junho e 2 de julho, no Teatro Turim, em Lisboa.


quinta-feira, 8 de junho de 2017

Nova Criação - "Nem Que Morra Duas Vezes"

As pulsões internas do Ser Humano expostas entre a luz ténue e as sombras de um cabaret. Um cabaret das necessidades, onde se vai para as satisfazer mas donde nunca se sai saciado. Sexo, prazer, religião, um pequeno e reservado mundo de instintos e a possibilidade de uma história de amor que nasça tão improvável quanto sentida.

"Nem Que Morra Duas Vezes" é o nova criação da Oficina de Teatro do Turim, com direção de Carlos Alves e Ana Campaniço.

Um texto inédito e um espetáculo carregado de marcas expressionistas, transportadas para um registo de comédia negra, com a música e a dança a marcar o ritmo de um cabaret a descobrir e onde imergir.

Apresentações nos dias 29, 30 de junho e 1 de julho às 21h30 e no dia 2 de julho às 17 horas, no Teatro Turim.


Nunca Fala a Marta

Quem ainda hoje não se recorda da Marta, da OK Teleseguros? “OK Teleseguros, fala a Marta!”. Esta frase foi repetida, recomida, refundida até já dar arrepios de vómito iminente só de ouvi-la. A Marta foi uma estrela do atendimento telefónico. No fundo, a Marta trouxe aos call centers o glamour que eles nunca tiveram. Se o não tinham na altura em que a esbelta Marta apareceu, com um sorriso de anúncio a pasta de dentes como quem quer vender seguros automóvel, muito menos o têm agora. Os call centers são e serão sempre a antecâmara do inferno laboral. Permanecem a antecâmara porque o inferno propriamente dito foi extinto na gloriosa época em que se aboliu a escravatura nas sociedades civilizadas. Se muita gente decidiu ir estudar Comunicação Social só porque achava graça ao José Rodrigues dos Santos a piscar o olho no fim do telejornal, não acredito que alguém tenha aceitado um emprego num call center apenas inspirado pelo sorriso da Marta. Na verdade, as pessoas vão para call centers quando mais nada resta. E uma sociedade que deixa um lote da sua população entregue a um bando de supervisores com ar de quem manda alguma coisa dentro de um escritório, não merece mais do que ter de ouvir o hino da SIC cantado em loop por uma tuna e um rancho folclórico.


Os supervisores de call center são, porventura, dos seres humanos menos interessantes que o planeta Terra já acolheu. Apesar disso, são a prova viva de que para ser parvo não é preciso estudar. Um pequeno cargo de meia chefia entregue a pessoas para quem atender o telefone sem se esquecer de dizer “bom dia” já seria uma vitória, é coisa que pode subir muito rapidamente à cabeça. Depois, ter um grupo de pessoas ali disponível e chamar-lhe “equipa”, isso então deve ser orgásmico.
Nada disto tem a ver com a Marta. A Marta de qualquer call center não consegue aquele sorriso, apresenta uma cara a quatro cirurgias plásticas daquilo e tem um supervisor com bazófia a mais para estatuto a menos. Tal como aconteceu aos que foram estudar Comunicação sem serem capazes sequer de escrever um postal à família, o mundo imaginado não estava lá para existir. E o mundo de muitos dos que foram estudar Comunicação antes de alguma vez terem pegado num jornal, acabou num call center. Não faz mal, um dia hão-de dar a volta. Agora, se já chegaram a supervisores, não há volta a dar. Daí já não passam. Mas podem sempre dizer aos amigos que têm uma “equipa”. E fazê-lo com aquela entoação de quem tem alguma relevância social. A entoação talvez consigam, a relevância já não.


Ronda das Artes Síntese (Edição nº 3, de 7 de junho)

Ronda das Artes - Edição de 7 de junho

Síntese semanal:

  • Cinema: sessão de curtas-metragens na Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema
  • Teatro: FITEI, "E Se Fosse... Absurdo?!" no Teatro Bocage (produção: Ditirambus) e "Cabaret do Coxo" no Teatro Turim (produção: ContraTempo Produções)
  • Música: novos discos de Sebastião Antunes e de Luiz Caracol



Ronda das Artes - facebook.com/rondadasartes
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quarta-feira, 7 de junho de 2017

Três curtas-metragens a descobrir na Cinemateca

A Cinemateca apresenta amanhã, às 21h30, três curtas-metragens portuguesas. "Realidade Paralela" (na imagem), "Despertar" e "Esboços".
Estes três filmes fazem parte do portefólio de produções do Cineclube Cine-Reactor 24i e foram dirigidos por três jovens realizadores.
Os elencos dos três filmes contam, entre outros, com João Didelet, Alda Gomes, Sofia Nicholson, Sofia Arruda, Érica Rodrigues e Carlos Alves.


quinta-feira, 1 de junho de 2017

Ditirambus apresenta novo espetáculo de Marco Mascarenhas em Lisboa

Sobe hoje ao palco do Teatro Bocage, em Lisboa, um novo espetáculo de que já aqui dei conta. "E Se Fosse... Absurdo?!" é uma criação do ator e encenador Marco Mascarenhas, que conta ainda com Onivaldo Dutra e Manuela Gomes no elenco.
Esta é uma peça sobre atores, protagonizada por três atores com muita experiência, que se junta ao portefólio da companhia teatral Ditirambus.
A Ditirambus foi fundada em 1996 e, desde aí, executa um trabalho de produção e pesquisa teatral, formação de gerações mais jovens e ainda de intervenção social através da arte.
O pano abre hoje às 21h30.


Noite de Karaoke

Há sempre uma noite
Em que te sentes uma estrela de rock
Em que aplaudem a tua desgraça
Na noite de karaoke.

Cantas desalmada por três minutos sem fim
Deixas-me de rastos
E tu sem pena de mim
Desfias Represas e João Pedro Pais
Tu não sentes mas sim, isto está a ser demais.
Antes fizesses playback, diria Carlos Paião
Que, talvez por prever isto, quis morrer no alcatrão.
Cantas com muita paixão mas muito à tua maneira
Sabes canções dos Clã, estragas as do Dino Meira
Se há uma nota certeira que mereça ovação
Há dezenas de outras elas que nos quebram a tensão
Fazes do palco uma montra da tua beleza atroz
Seguras no microfone como se tivesses voz
Para cantar a Simone devias esperar que ela morresse
Como se ela merecesse ver-se tão mal cantada…
Mas um filho faz-se por gosto é coisa que nunca te sai afinada.

A Júlia fez anos ontem
Meia vida celebrada
Já são quase trinta anos e de aprendizagem nada
Saiu com os amigos para festejar a data
Vestiu a saia mais curta
Que encontrou entre os seus trapos
E pintou os olhos com força
Parecia ter levado dois sopapos
Apresentou-se esbelta frente ao animador
Entregou-lhe o papelinho com o nome de um cantor
O que vai cantar a Júlia, queremos saber
Seja o que for, é certo que vai doer
Cantar fado da Mariza com roupas à Madonna
Puxar notas lá do alto e ao mesmo tempo mostrar a…
Zona de karaoke devia estar circunscrita
Devia ter um aviso: “Se te sentires mal, grita”
Não é falta de juízo o que vos faz ser cantores
E transformar qualquer bar numa casa de horrores
Para cantar karaoke defines o teu perfil
Cantas bem ou cantas mal
Fazes daquilo uma luta
Podes sempre optar por pôr o teu ar de puta.
E no fim daquela noite
O povo está todo zonzo
Mas quem mais sofreu ali
Foram as canções do Paulo Gonzo.

(Carlos Alves)

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Bebé a Bordo

Conhece o leitor, com certeza, aqueles autocolantes que se colam no vidro traseiro dos automóveis, que têm escrito “bebé a bordo”. Pergunto então quantos dos carros que hoje apresentam esse autocolante levam na verdade um bebé a bordo. Poucos. Eu aposto que são poucos. E a maior parte não leva e já há muitos anos. Por esta altura, já o dito bebé, que levou à afixação do tal autocolante, tem os dentes definitivos podres do tabaco ou está já divorciado ou é apenas mais um desgraçado obrigado a trabalhar numa empresa na qual vai emburrecendo a cada dia que passa. É um desses, afinal, o destino de cerca de noventa por cento dos bebés a bordo que circularam por essas rodovias fora. Dir-me-ão que qualquer um deles é melhor do que falecer esmigalhado num acidente. E eu concordo. Não sei é se foi o autocolante que impediu esse acidente ou se foi o mero acaso. Grande maioria dos condutores nem vê o carro que tem à frente quanto mais o autocolante colado na parte inferior do vidro!
Há autocolantes do bebé a bordo já descolorados pelo sol; alguns estão em carros que já nem pertencem ao mesmo dono. Ainda ontem vi uma miúda de pouco mais do que 18 anos, conduzindo certamente o seu primeiro carro, com o “bebé a bordo” atrás. Mas qual a bebé! O mais próximo que aquela rapariga deve ter estado de perder a virgindade foi quando roçou sem querer no manípulo das velocidades. Porém, o bebé a bordo é algo que se cola e fica para sempre, como um falso alarme que os nossos carros emitem a cada momento.
Vou abrandar que vai ali um bebé a bordo. Ah, não vai nada, é um velho ao volante, vou acelerar e partir-lhe a traseira, que se lixe!

O “bebé a bordo” é a maior falcatrua do sistema rodoviário nacional e ninguém faz nada para a travar. Uma fraude muito superior à das gordas que se fazem passar por grávidas nas filas dos supermercados.


terça-feira, 23 de maio de 2017

Correio da Manhã, Violações em Cliques

Na semana passada, uma jovem alcoolizada foi abusada por um energúmeno, num autocarro no Porto. Já lá vamos ao energúmeno e aos que o acompanhavam. A junção das expressões “jovem alcoolizada” e “abusada” chega para levar as pessoas do Correio da Manhã a vestir sunga e começar a dançar em cima da mesa.

O vídeo começou a circular na internet. A divulgação de vídeos deste teor na internet é uma praga com que vamos ter de viver, pelos menos nos próximos cem anos, e é preciso ter uma cabeça muito pequenina para alguém se dedicar a fazê-lo. Além disso, é preciso ter muita gente com um saco de cimento em vez de um cérebro para que esta atividade valha a pena. Pessoas com cabeça de betume são, por exemplo, todos os leitores do Correio da Manhã. E agora sim, não sinto o mínimo de complacência em dizer isto porque complacentes não são indivíduos que seguem um jornal cuja atividade é publicar vídeos do chamado lado negro da internet. As pessoas que compram e lêem o Correio da Manhã são coniventes com esta forma de agir. São coniventes com a devassa da vida privada, com os ataques pessoais sem interesse público, com a promoção de abusos sexuais e, em último caso, com a destruição do jornalismo e da liberdade de expressão.

Dir-me-ão que liberdade de informação é também poderem existir órgãos de informação diferentes, com diferentes estilos para as pessoas escolherem e se informarem. Pois bem, o Correio da Manhã não é um órgão diferente – há milhares de sites com conteúdo desse na internet -, informa pouco e não tem um estilo jornalístico. Porque precisava de ser jornalístico antes e só depois ter um estilo.

A enorme falta de respeito pelos direitos individuais das pessoas, sejam públicas ou privadas, mascarada de denúncia e investigação, é o motor que alimenta o Correio da Manhã. E se o alimenta, aos leitores se deve. Já leram o Correio da Manhã hoje? Então vão lavar as mãos e depois voltem aqui. Não há nada em cada edição do Correio da Manhã que seja de interesse jornalístico e interesse público que não se possa encontrar mais bem escrito em qualquer um dos outros jornais. Por outro lado, há muita coisa no Correio da Manhã que é apenas alimento para gente medíocre e que se baba permanentemente porque está sempre a esquecer-se de engolir a saliva.

Vocês têm filhos e filhas, irmãos e irmãs, pai e mãe, amigos e amigas. Pensem que qualquer um deles está ou pode estar à mercê do Correio da Manhã.

Quanto aos energúmenos, enfim, é gente de pila pequena. No mínimo, deverão ser julgados. Ao que sei, envergavam traje académico. Julgo que esta ação já lhes deverá valer o título de dux até ao fim da vida. No entanto, não andaram na faculdade a fazer nada. Têm tudo para se juntar ao lote de escumalha que existe na nossa sociedade. Todos. Tanto o que mete a mão dentro das calças de miúdas quase inconscientes como os que aplaudem o ato como se estivessem a assistir à chegada do seu cérebro depois de uma longa viagem.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Uma Multidão de Não Crentes

Marcelo Rebelo de Sousa disse, logo depois de o Papa ter ido embora, que os portugueses receberam muito bem Francisco e que houve um respeito muito grande, nomeadamente por parte dos não crentes. Pois, isso é porque Marcelo não tem facebook, como tinha Cavaco Silva, por exemplo, porque, se tivesse, saberia que não foi bem assim.
Os chamados não crentes comportaram-se com um histerismo que só encontra paralelo no seu comportamento habitual. Se há coisa com a qual os não crentes convivem mal é com a crença dos outros. Desconhecendo até ao momento em que é que a visita de um líder religioso os possa afetar tanto, a verdade é que o ódio, o escárnio e o ranger de dentes foi muito. Isso até pode fazer mal! Os católicos aparentemente vivem bem com a sua fé, os não crentes notoriamente não vivem bem com a falta dela.
Os peregrinos fizeram quilómetros e quilómetros a pé mas os não crentes é que apanharam grande canseira nestes dias que passaram. O desprezo por uma religião fê-los estar atentamente críticos à presença de um homem dessa religião. Que estranho desprezo esse! Pior do que atirar que a minha ex-mulher não me interessa para nada mas atrever-me a descascar no vestido que ela levava ontem quando a vi passar na rua. Os não crentes têm esta coisa de marido trocado.

E, no entanto, a semana que passou ficou marcada por um Salvador e uma multidão de não crentes. Muitos também não acreditavam que Portugal ganhasse alguma coisa com aquela musiqueta. O problema é que a musiqueta era boa e ganhou. É assim, os não crentes falam sempre antes do tempo. E alto, para toda a gente ouvir.


terça-feira, 16 de maio de 2017

Absurdo será perder este espetáculo!

Ver estes três maravilhosos atores reunidos em palco, só por si, já será um privilégio. Ainda para mais, com uma história de atores!
"E Se Fosse... Absurdo?!" é um projeto do ator e encenador Marco Mascarenhas para a Ditirambus - Pesquisa Teatral, uma companhia que conta com 21 anos ao serviço do Teatro, da Cultura e da formação de jovens e adultos. A Ditirambus sabe muito de atores - muitos já por lá passaram, outros lá deram os primeiros passos e outros continuam -, por isso este é um espetáculo que faz muito sentido nesta altura.
Ao lado de Marco Mascarenhas estão Manuela Gomes e Onivaldo Dutra, pessoas com quem nunca se trabalha sem se aprender muito.
Eles vão estar quase todo o mês de junho no Teatro Bocage, em Lisboa. De 1 a 24 de junho, de quinta a sábado, às 21h30.
Dei-vos várias razões para não perderem esta peça. A outra razão quero que sejam vocês a descobrir. Vão mesmo!





sábado, 13 de maio de 2017

Salvador Sobral, uma confirmação

Salvador Sobral, Luísa Sobral, Portugal levaram uma letra belíssima, uma música apetecível e uma prestação luminosa ao Festival da Eurovisão. E ganharam!
Era uma vitória que a música portuguesa precisava. Salvador Sobral merecia isto, como eu disse aqui.

(Continuo a achar que os sons a fazer lembrar os carrinhos de choque fazem muita falta...)


quarta-feira, 10 de maio de 2017

Salvador Sobral, uma decepção

Salvador Sobral no Festival da Eurovisão. Uma decepção.

Onde é que está a música a fazer lembrar os carrinhos de choque? Onde é que está o som do bailarico? Um acordeão, não? Onde é que estão os bailarinos? Onde é que estão as bailarinas? Onde é que está a coreografia, Salvador? Mexer a cabeça como se ela fosse deslizar até aos joelhos não conta como coreografia, Salvador. No mínimo, dois versos em inglês, no mínimo! Então os outros países vão ali, até uma pessoa se sente dentro de uma jukebox, e tu apresentas-te com um poema e uma melodia?! Mas isso é o Festival da Canção ou é a Escola Superior de Música? Por favor, Salvador, poupa-nos, tem dó! E os gritos? Não há gritos? A Celine Dion já não manda nada?

É com essa canção que representas Portugal? Portugal tem programas de televisão que duram cinco horas seguidas onde se cantam coisas que envolvem mangueiras e cassetetes. Onde é que está isso na letra que cantas, Salvador? “Meu bem, ouve as minhas preces”?! Foi tão pouca a imaginação! “Ó meu bem, anda cá, vamos rezar, ajoelha e não podes falhar” é só um exemplo de um verso que funcionaria logo de outra forma. “Ninguém ama sozinho”?! Muitos letristas deste país escreveriam maravilhas com esta ideia, introduzindo inclusivamente metáforas com a árvore que dá pêssegos.

Que desilusão! Desde 2010 que Portugal não estava representado na final do festival Eurovisão da Canção e tinha de ser logo assim! Um cantor que interpreta e faz gestos enquanto canta! Horrível, Salvador! Ainda se fosse abanar a anca para a esquerda e para a direita!...


Não tenho mais palavras, Salvador, mas vou continuar a ler as opiniões das pessoas nas redes sociais. Elas dizem muito mais. Obrigado, ainda assim…


quarta-feira, 3 de maio de 2017

Ronda das Artes (Edição nº 6, de 26 de abril)

Nesta edição:
- Últimas representações da peça "Os Nossos Vizinhos Dormem Cá em Casa" no Teatro Turim e entrevistas com o elenco;
- Também no Teatro Turim, "Poppins - O Musical" da ContraTempo Produções;
- Destaque para os festivais CuCu (Carnide), promovido pela Lua Cheia - Teatro para todos, e i (Águeda), co-produzido pela d'Orfeu Associação Cultural e pela Câmara Municipal de Águeda.


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segunda-feira, 27 de março de 2017

Mensagem oficial da UNESCO para o Dia Mundial do Teatro, 2017

Isabelle Huppert, França

Já passaram 55 anos desde a primavera em que se celebrou pela primeira vez o Dia Mundial do Teatro. Esse dia, ou seja, essas 24 horas começaram no Teatro Nô e Buranku, passaram pela Ópera de Pequim e pelo Kathakali, passaram entre a Grécia e a Escandinávia, foram de Ésquilo a Ibsen, de Sófocles a Strindberg, passaram entre a Inglaterra e a Itália, foram de Sarah Kane a Pirandello. Passaram, entre outros países, pela França, onde nos encontramos, e por Paris que continua a ser a cidade do mundo que recebe o maior número de companhias estrangeiras. Em seguida, as nossas 24 horas levaram-nos da França à Rússia, de Racine e Molière e a Tchékhov depois, atravessando o Atlântico, chegaram a um campus universitário californiano onde as pessoas podem, quem sabe, reinventar o Teatro. Porque o Teatro renasce sempre das cinzas. Ele não passa de uma convenção que temos de constantemente abolir. É por isso que continua vivo. O Teatro tem uma vida irradiante, que desafia o espaço e o tempo, as peças mais contemporâneas são alimentadas pelos séculos passados, os reportórios mais clássicos tornam-se modernos de cada vez que os encenamos.

Uma Jornada Mundial do Teatro não é, evidentemente, como um dia banal das nossas vidas quotidianas. Esta Jornada faz reviver um imenso espaço-tempo e para evocar esse espaço-tempo, vou socorrer-me de um dramaturgo francês, tão genial como discreto, Jean Tardieu. Cito-o: --- ” Para o espaço ele pergunta qual é o caminho mais longo de um ponto para outro ….Para o tempo sugere medir em décimas de segundo o tempo que demora pronunciar a palavra «eternidade». Para o espaço-tempo ele diz ainda: “Fixai no vosso espirito, antes de adormecer, dois pontos quaisquer no espaço e calculem o tempo que é preciso para, em sonho, ir de um ponto ao outro”. É a expressão “em sonho” que retenho. Poderíamos dizer que Jean Tardieu e Bob Wilson se encontraram. Podemos também resumir o nosso Dia Mundial do Teatro evocando Samuel Beckett que pôs a Winnie a dizer, no seu estilo expedito: “Oh que lindo dia que poderia ser.” Ao pensar nesta mensagem, que me fizeram a honra de me pedir, lembrei-me de todos esses sonhos de todas essas cenas. Então, não chego sozinha a esta sala da UNESCO: todas as personagens que representei me acompanham, os papéis que pensamos que nos abandonaram quando acaba, mas que têm em nós uma vida subterrânea, prestes a ajudar ou a destruir os papéis que lhes sucedem: Fedra, Araminta, Orlando, Hedda Gabbler, Medeia, Merteuil, Blanche Dubois... Acompanham-me, também, todos os personagens que amei e aplaudi como espectadora. E nesse lugar, pertenço ao mundo inteiro. Sou grega, africana, síria, veneziana, russa, brasileira, persa, romena, japonesa, marselhesa, nova-iorquina, filipina, argentina, norueguesa, coreana, alemã, austríaca, inglesa, isto é, o mundo inteiro. A verdadeira mundialização é esta.

Em 1964, por ocasião desta Jornada Mundial do Teatro, Laurence Olivier anunciou que, depois de mais de um século de combate, se conseguira, por fim, criar em Inglaterra um Teatro Nacional, que ele quis imediatamente que fosse um teatro internacional, pelo menos no seu repertório. Ele sabia bem que Shakespeare pertencia a todo o mundo no mundo. Adorei saber que a primeira mensagem destas Jornadas Mundiais do Teatro, em 1962, fora confiada a Jean Cocteau, escolhido por ser, como se sabe, o autor de “uma volta ao mundo em 80 dias”. Eu fiz a volta ao mundo de uma outra maneira: fi-la em 80 espectáculos ou em 80 filmes. Digo filmes porque não faço nenhuma diferença entre representar no teatro e representar no cinema, o que surpreende sempre que o digo, mas é verdade, é assim. Nenhuma diferença. Falando aqui, não sou eu própria, não sou uma actriz, sou apenas uma das numerosas pessoas graças às quais o Teatro continua a existir. É um pouco o nosso dever. E a nossa necessidade: Como dizer: Nós não fazemos existir o Teatro, é graças ao Teatro que nós existimos O Teatro é muito forte, resiste, sobrevive a tudo, às guerras, às censuras, à falta de dinheiro. Basta dizer: “O cenário é um palco nu de uma época indeterminada” e de chamar um actor. Ou uma actriz. Que vai ele fazer? Que vai ela dizer? Irão falar ? O público espera, vais já saber, o público sem o qual não há Teatro, não nos esqueçamos. Uma pessoa no público é um público. “Não muitas cadeiras vazias, esperemos! Salvo em Ionesco… No fim, a Velha diz: “Sim, sim morramos em plena glória…. Morramos para entrar na lenda… Ao menos teremos a nossa rua…”

A Jornada Mundial do Teatro existe há 55 anos. Em 55 anos serei a oitava mulher a quem é pedido para fazer uma mensagem, enfim, não sei se a palavra “mensagem” é apropriada. Os meus antecessores (o masculino impõe-se!) falaram sobre o Teatro da imaginação, da liberdade, da origem, evocaram o multicultural, a beleza, as questões sem respostas… Em 2013, há somente quatro anos, Dario Fo disse: “ A única solução para a crise reside na esperança de uma grande caça às bruxas contra nós, sobretudo contra os jovens que querem aprender a arte do teatro: nascera assim uma nova diáspora de actores, que irá sem dúvida retirar desta situação, benefícios inimagináveis para a criação de uma nova representação.” Benefícios inimagináveis é uma bela formula digna de figurara num programa politico, não? … Já que estou em Paris, pouco antes de uma eleição presidencial, sugiro aqueles que têm ar de quem nos quer governar que estejam atentos aos benefícios inimagináveis que traz o Teatro. Mas nada de caça às bruxas! O Teatro, para mim, é o outro, é o diálogo, é a ausência de ódio. A amizade ente os povos, não tenho bem a certeza o que quer dizer, mas acredito na comunidade, na amizade dos espectadores e dos actores, na união de todos que o teatro une, nos que o escrevem, naqueles que o traduzem, nos que o iluminam, vestem, o cenografam, nos que o interpretam, nos que o fazem, naqueles que o vão ver. O teatro protege-nos, abriga-nos…. Acredito totalmente que ele nos ama … tanto quanto nós o amamos …. Lembro-me de um velho ensaiador à antiga que, antes do levantar da cortina, dizia, todas as noites nos bastidores, em voz firme: “Lugar ao Teatro!”. Esta será a palavra final. Obrigada.

Tradução a partir da versão original: Margarida Saraiva
Revisão: Eugénia Vasques
Escola Superior de Teatro e Cinema

quarta-feira, 22 de março de 2017

Xenofobia e Sexismo na cúpula da União Europeia

As declarações de ontem do imprestável presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem (um nome que se diz como quem cospe, mas não quero parecer ofensivo contra povos estrangeiros) são fortemente xenófobas e sexistas.
Recusarei sempre que algum populista, racista e xenófobo tome conta pelo menos do meu país, não queria nada que isso acontecesse. Os holandeses pensam o mesmo, uma vez que impediram, nas urnas, que este Dijsselbloem governasse o deles. Assim sendo, não é tolerável que um xenófobo, racista e sexista exerça um cargo para o qual nem sequer foi eleito. Os americanos elegeram Donald Trump, os franceses podem vir a eleger Marine Le Pen se quiserem, mas este Dijsselbloem (não estou a dar murros no teclado, o nome dele é mesmo assim) não foi eleito, quando tentou perdeu, é apenas um funcionário público.
As declarações do funcionário da União Europeia são xenófobas, racistas e sexistas porque constituem uma generalização abusiva em relação a um conjunto de pessoas e de povos. Por mais que esse de quem me cansei de escrever o nome seja apenas um funcionário, não tendo por isso legitimidade política alguma, o cargo dele tem uma vertente política, nesta União Europeia quase sem instituções democráticas. E essa vertente política deve responsabilizá-lo. Não tendo condições para continuar, tem de sair. Tecnicamente, há muitos outros funcionários capazes de fazer o mesmo trabalho. A menos que a Europa aceite o populismo e a xenofobia como ideologias e depois aí ninguém se venha queixar.

Ginasta holandês Yuri van Gelder, expulso das Olimpíadas do Rio 2016
por ter saído de madrugada para beber álcool

segunda-feira, 20 de março de 2017

OS NOSSOS VIZINHOS DORMEM CÁ EM CASA

Os bilhetes para o espetáculo não estão ainda à venda online, vão estar em breve. No entanto, os espectadores podem já reservar para o dia em que querem ir assistir, garantindo assim que não vão ficar sem bilhete. Apesar de tudo, vamos estar em cena em Lisboa apenas duas semanas, são só oito representações, a lotação da sala não é muito grande, pelo que a dada altura poderá ser difícil conseguir bilhete. Acedam ao site e reservem em menos de dois minutos!

Sinopse e Reservas



Design Gráfico: Eduardo Ferreira

quinta-feira, 2 de março de 2017

Ronda das Artes (Edição nº 5, de 1 de março)

Nesta edição:

- Os Quatro e Meia, a banda de Coimbra, na semana que se segue à apresentação da banda no Centro Olga Cadaval, em Sintra, e com um primeiro álbum a ser lançado em breve;
- A propósito da estreia de “Jekyll e Hyde – O Musical”, no Teatro Turim, fomos conversar com o encenador do espetáculo, Henrique Moreira.

E outras propostas.
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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Ronda das Artes Síntese (Edição nº 2, de 17 de fevereiro)

Ronda das Artes - síntese semanal

Esta semana, destaque para "Colo", o filme português em Berlim, os galardoados com o Prémio da Crítica de Teatro e mais um [Cultura em Casa].




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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A Louca Visita dos Vizinhos Novos

Tenho aqui vindo dar-vos conta da nova produção que levamos a cena em abril no Teatro Turim. Os trabalhos continuam. Produção, ensaios, cenários, guarda-roupa. Mas então, e o que acontece neste "Os Nossos Vizinhos Dormem Cá em Casa"? Hoje apresento-vos a sinopse.

Numa noite, um casal instalado e conservador recebe a inesperada visita de duas pessoas. Esta aparição espontânea, inusitada e excepcional rapidamente se torna efetiva. Judite e Almerindo entram na casa e na vida daqueles de quem supostamente iriam ser apenas vizinhos. Quando Simone, a proprietária da casa, abre a porta pela primeira vez, não adivinha a avalanche de confusões e discussões, reviravoltas e revelações que a esperam e ao seu marido, Afonso. O novo casal vai alterar por completo as suas rotinas e comportamentos. Por certo, nada estará igual na manhã seguinte. São o inesperado e a surpresa que alimentam esta peça, uma história de reviravoltas constantes e desconcertantes, uma comédia proporcionada pelos efeitos da mentira e do ridículo com que o Ser Humano tantas vezes se confronta.

Do resto já sabemos, Ana Campaniço, Carlos Alves, Rafael Dias Costa e Susana Rodrigues no elenco e... deixo para o próximo texto. Até já!




terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

"Os Nossos Vizinhos Dormem Cá em Casa"



"Os Nossos Vizinhos Dormem Cá em Casa" é um passo em frente no percurso criativo de Carlos Alves e Ana Campaniço, a quem, neste projeto, se juntam Rafael Dias Costa e Susana Rodrigues.



















O espetáculo vai ter estreia nacional a 20 de abril, no Teatro Turim, em Lisboa, onde permanecerá em cena por duas semanas, sendo que ficará disponível para digressão imediatamente a seguir a 30 de abril.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Ronda das Artes (Edição nº 4, de 30 de janeiro)

Nesta edição vamos à Guarda, à Madeira e aos Açores. E a outras propostas doutros locais onde a arte acontece.
Atenção ainda para algumas novidades na Ronda das Artes que são anunciadas durante este podcast.




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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A Peça que Queremos Fazer

Em abril estreamos uma nova produção que já está em marcha. Andamos a trabalhar nela há sensivelmente dois meses, começámos a ensaiar há pouco mais do que duas semanas. Em breve será divulgado o cartaz oficial que também já está a ser preparado, juntamente com outros materiais sobre a peça.

"Os Nossos Vizinhos Dormem Cá em Casa" é uma grande aposta que queremos fazer neste primeiro semestre do ano. Um texto novo, uma história plena de surpresas e reviravoltas, um enredo que queremos muito dar-vos a conhecer, certos de que se poderão divertir. Deixem-se surpreender!
No elenco temos a Susana Rodrigues e o Rafael Dias Costa; é a primeira vez que ambos integram as nossas criações mas, para esta, foi a eles que escolhemos. São eles que, tanto eu como a Ana Campaniço, queremos para cumprir este objetivo de fazer melhor em cada peça nova.



Agora, vamos trabalhar. Esperem por novidades a partir de agora. Estreia dia 20 de abril no Teatro Turim. Até já!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Ronda das Artes (Edição nº 3, de 23 de janeiro)

Nesta edição:
- Documentário: "Diálogos" de Catarina Neves
- Música: Piano, Ópera e Música do Mundo na Gulbenkian
- Teatro: "Não Quero Morrer" de Elmano Sancho e Juanita Barrera
- e outras propostas.


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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Ronda das Artes (Edição nº 2, de 16 de janeiro)

Nesta edição:
- Gisela João
- Fausto e "Filho da Treta" no Teatro Viriato
- Nelson Rodrigues, a propósito de "A Vida Como Ela É" no Teatro Garagem
- e muito mais.

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domingo, 15 de janeiro de 2017

Ronda das Artes (Edição nº 1, de 9 de janeiro)

E eis que chega o episódio inaugural da Ronda das Artes!
Ouçam, partilhem e tínhamos de começar de alguma forma, começámos assim.

Destaques desta primeira edição:
- O Festival de Ano Novo em Vila Real;
- O primeiro mês do ano no Teatro Nacional D. Maria II e Teatro Nacional São João;
- Destaque ainda para algumas grandes exposições a acontecer em Lisboa no ano 2017;
- O novo single dos Toques do Caramulo.





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