sexta-feira, 27 de março de 2020

O Dia de não ir ao teatro


Há um simbolismo que não consigo decifrar em estarem os teatros fechados no Dia Mundial do Teatro. Sempre tive dificuldade em imaginar os teatros fechados e, quando já não preciso de imaginar, num dia em que necessariamente pensamos muito sobre Teatro, aquela ausência ganha um peso interpelador.
Independentemente da conhecida causa do nosso isolamento, as luzes desligadas de um teatro remetem para um vazio simbólico mas que é bem concreto na impossibilidade de estarmos juntos, numa arte em que estar junto é requisito primeiro.
Os artistas têm sido implacáveis na reacção a não estar junto. Multiplicaram-se as partilhas à distância, o teatro à distância (outra estranheza simbólica).
São as nossas possibilidades de olhar para este dia mas, com teatros fechados, este dia, este ano, é, como em nenhum dos recentes, um momento de querer o depois. A possibilidade de hoje ver alguns dos trabalhos de alguns dos nossos artistas é a satisfatória receita contra o isolamento. Mas o Teatro vive da pulsão constante em tudo criar e tudo destruir. Vive do texto que se está a escrever, das luzes que se estão a afinar, do figurino que se está a terminar, dos ensaios em que se está a tentar chegar a algo.
Quando os teatros voltarem a estar bem abertos, a experiência de os ter fechados tem de ressoar com uma intensidade criadora. Acho sempre inútil pretender pensar sobre o que é e o que será o Teatro português. O Teatro português é e será aquilo que dentro dele for permitido criar; ele é e será a possibilidade de a cada momento juntar novas vozes criativas às já existentes; ele é e será o que essas vozes trouxerem; ele é e será o mundo a entrar por ele adentro e a sair dele triturado; ele é e será um espaço de muitos homens e de muitas mulheres, dos mais jovens e também dos já menos jovens. O que ele não pode ser é um lugar de restrição, uma teia de regras limitadoras, uma misturada de ideias seguras, meia dúzia de formas de fazer que se repetem e que não (con)sentem chegar outras. Porque, se assim for, o Teatro português é o que é e nunca o que será.
O Dia Mundial do Teatro de 2020 ficará na memória como aquele em que se pediu às pessoas para que não fossem ao teatro. Não faz mal, é pela saúde e pela vida de todos. E se esta pausa nos proporcionar boa reflexão, então poderemos estar diferentes da próxima vez que os teatros abrirem.