Há um simbolismo que não
consigo decifrar em estarem os teatros fechados no Dia Mundial do
Teatro. Sempre tive dificuldade em imaginar os teatros fechados e,
quando já não preciso de imaginar, num dia em que necessariamente
pensamos muito sobre Teatro, aquela ausência ganha um peso
interpelador.
Independentemente da
conhecida causa do nosso isolamento, as luzes desligadas de um teatro
remetem para um vazio simbólico mas que é bem concreto na
impossibilidade de estarmos juntos, numa arte em que estar junto é
requisito primeiro.
Os artistas têm sido
implacáveis na reacção a não estar junto. Multiplicaram-se as
partilhas à distância, o teatro à distância (outra estranheza
simbólica).
São as nossas
possibilidades de olhar para este dia mas, com teatros fechados, este
dia, este ano, é, como em nenhum dos recentes, um momento de querer
o depois. A possibilidade de hoje ver alguns dos trabalhos de alguns
dos nossos artistas é a satisfatória receita contra o isolamento.
Mas o Teatro vive da pulsão constante em tudo criar e tudo destruir.
Vive do texto que se está a escrever, das luzes que se estão a
afinar, do figurino que se está a terminar, dos ensaios em que se
está a tentar chegar a algo.
Quando os teatros
voltarem a estar bem abertos, a experiência de os ter fechados tem
de ressoar com uma intensidade criadora. Acho sempre inútil
pretender pensar sobre o que é e o que será o Teatro português. O
Teatro português é e será aquilo que dentro dele for permitido
criar; ele é e será a possibilidade de a cada momento juntar novas
vozes criativas às já existentes; ele é e será o que essas vozes
trouxerem; ele é e será o mundo a entrar por ele adentro e a sair
dele triturado; ele é e será um espaço de muitos homens e de
muitas mulheres, dos mais jovens e também dos já menos jovens. O
que ele não pode ser é um lugar de restrição, uma teia de regras
limitadoras, uma misturada de ideias seguras, meia dúzia de formas
de fazer que se repetem e que não (con)sentem chegar outras. Porque,
se assim for, o Teatro português é o que é e nunca o que será.
O Dia Mundial do Teatro
de 2020 ficará na memória como aquele em que se pediu às pessoas
para que não fossem ao teatro. Não faz mal, é pela saúde e pela
vida de todos. E se esta pausa nos proporcionar boa reflexão, então
poderemos estar diferentes da próxima vez que os teatros abrirem.