quinta-feira, 8 de junho de 2017

Nunca Fala a Marta

Quem ainda hoje não se recorda da Marta, da OK Teleseguros? “OK Teleseguros, fala a Marta!”. Esta frase foi repetida, recomida, refundida até já dar arrepios de vómito iminente só de ouvi-la. A Marta foi uma estrela do atendimento telefónico. No fundo, a Marta trouxe aos call centers o glamour que eles nunca tiveram. Se o não tinham na altura em que a esbelta Marta apareceu, com um sorriso de anúncio a pasta de dentes como quem quer vender seguros automóvel, muito menos o têm agora. Os call centers são e serão sempre a antecâmara do inferno laboral. Permanecem a antecâmara porque o inferno propriamente dito foi extinto na gloriosa época em que se aboliu a escravatura nas sociedades civilizadas. Se muita gente decidiu ir estudar Comunicação Social só porque achava graça ao José Rodrigues dos Santos a piscar o olho no fim do telejornal, não acredito que alguém tenha aceitado um emprego num call center apenas inspirado pelo sorriso da Marta. Na verdade, as pessoas vão para call centers quando mais nada resta. E uma sociedade que deixa um lote da sua população entregue a um bando de supervisores com ar de quem manda alguma coisa dentro de um escritório, não merece mais do que ter de ouvir o hino da SIC cantado em loop por uma tuna e um rancho folclórico.


Os supervisores de call center são, porventura, dos seres humanos menos interessantes que o planeta Terra já acolheu. Apesar disso, são a prova viva de que para ser parvo não é preciso estudar. Um pequeno cargo de meia chefia entregue a pessoas para quem atender o telefone sem se esquecer de dizer “bom dia” já seria uma vitória, é coisa que pode subir muito rapidamente à cabeça. Depois, ter um grupo de pessoas ali disponível e chamar-lhe “equipa”, isso então deve ser orgásmico.
Nada disto tem a ver com a Marta. A Marta de qualquer call center não consegue aquele sorriso, apresenta uma cara a quatro cirurgias plásticas daquilo e tem um supervisor com bazófia a mais para estatuto a menos. Tal como aconteceu aos que foram estudar Comunicação sem serem capazes sequer de escrever um postal à família, o mundo imaginado não estava lá para existir. E o mundo de muitos dos que foram estudar Comunicação antes de alguma vez terem pegado num jornal, acabou num call center. Não faz mal, um dia hão-de dar a volta. Agora, se já chegaram a supervisores, não há volta a dar. Daí já não passam. Mas podem sempre dizer aos amigos que têm uma “equipa”. E fazê-lo com aquela entoação de quem tem alguma relevância social. A entoação talvez consigam, a relevância já não.


Sem comentários:

Enviar um comentário