sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Ditirambus leva a cena texto de Jaime Salazar Sampaio




UMA QUESTÃO DE TEMPO acontece num teatro, com um grupo de actores que nos levam aos meandros da sua criação. No entanto, essa "intrusão" vai conduzir-nos por caminhos que desconhecíamos e revelações com que não contávamos. Este espectáculo é um labirinto, de portas e janelas que não existem mas que, podemos supor, sempre lá estiveram. Mas pouca coisa aqui é real ou, pelo contrário, nada aqui é ficção.  

É um espectáculo em torno do tempo, de muitas formas e por muitas voltas, tantas quantas as voltas que o tempo dá. E é um espectáculo sobre Teatro. Sobre a vida no teatro e sobre o teatro na vida. As personagens movem-se descaradamente à procura de algo que ainda desconhecem, ignorando com mais descaramento ainda o espectador. Como se estivessem perante cadeiras vazias. Movem-se, protegendo para si o direito exclusivo de se movimentarem dentro de um teatro; elas movem-se, tentando desesperadamente justificar o seu ofício, a sua arte e a sua criação. Enquanto isso, debatem-se com a passagem do tempo, com os recuos à infância, a mulheres que estiveram ali mas já não estão; e confrontam-se com o fim que se aproxima, enquanto fazem o seu trabalho, à sua maneira, enquanto for possível. No limite, neste espectáculo, temos quatro actores à procura de um espectador.

Ficha Técnica:
Encenação: Carlos Alves
Elenco: Carlos Alves, Isadora Lima, Joana Lourenço, Marco Mascarenhas e Onivaldo Dutra
Espaço Cénico e Desenho de Luz: Carlos Alves
Movimento: Marco Mascarenhas
Cenografia e Figurinos: Joana Lourenço e Carlos Alves
Adereços: Rita Rodrigues
Sonoplastia: Carlos Alves
Operação de Iluminação: Rúben Silva
Operação de Som: Andreia Pinto/ Soraia Fernandes
Fotografia: Isadora Lima de Oliveira
Design Gráfico: Carlos Catarino
Produção Executiva: Carlos Alves e Joana Lourenço
Produção: Ditirambus

Casa do Coreto
Rua Neves Costa, 45,
1600-532 Carnide, Lisboa

1, 2 e 3 de Fevereiro
Sexta e Sábado, 21h30
Domingo, 17h

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

“Neste teatro é assim, e depois logo se vê”




Entrar neste texto de Jaime Salazar Sampaio é como enfiarmo-nos dentro de um labirinto, donde não se vislumbra uma saída. Cada caminho é interrompido por outros que nos atiram ainda para uns com que não contávamos. É uma viagem, de muitos modos, e também no tempo. O texto fala de tempo mesmo quando parece esquecer-se dele; fala de um teatro que quer questionar; ficciona a realidade, deixando-nos sempre na dúvida sobre em que pé estamos agora. Isto é mesmo a sério?
Fala de amores, férias de Verão, noites que podem ser as últimas, vidas difíceis cruzadas com sonhos lindos. Fala da vida. E do Teatro. Do Teatro na vida e da vida no Teatro. E de muito mais, “porque numa peça nunca se diz tudo”.
A questão de tempo está em tudo o que faz com que ele passe e no que ele deixa à sua passagem. Por outro lado, é sempre uma questão de tempo até que tudo se desvaneça ou não desvaneça, aconteça ou não aconteça. É a questão de tempo que nos afasta de uma gloriosa infância.
“O que é que ele quer que a gente faça com isto?” foi a questão que colocámos muitas vezes. Mobilizámo-nos então para entender e decidimos que seria mais ou menos assim, “com umas pequenas modificações, uns cortes, uns aditamentos”. Mas a nossa questão fundamental é o espectador. Que papel lhe atribuímos neste espectáculo, se é que lhe atribuímos algum? O papel do espectador, é esse o nosso problema. O dilema entre a passividade ou a emancipação, seguindo o conceito de Rancière. Será um espectador que apenas olha ou um que também compõe um espectáculo a partir dos elementos do espectáculo que tem à frente? O papel do espectador é um problema nosso e talvez possa ser o problema de todos os nossos espectadores.

Carlos Alves

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Carlos Alves encena texto de Jaime Salazar Sampaio. Estreia em Fevereiro.

Estreia 1 de Fevereiro
UMA QUESTÃO DE TEMPO
Casa do Coreto - Lisboa


Este espectáculo é sobre um espectáculo e sobre todos os espectáculos. É o tempo da nossa reflexão.
Carlos Alves encena o texto que Jaime Salazar Sampaio escreveu em 1999.

Quatro actores à procura de um espectador. Que teatro é este? Recuos à infância, a mulheres que podiam estar aqui; ou estiveram, de facto. É o tempo que passa e nos escapa, porque nos foi dado por um agiota. Neste teatro é assim, e depois logo se vê.

Um grupo de atores (um coletivo?, uma estrutura?, uma companhia?, uma empresa?, uma associação?) está a ensaiar... está a criar... está a pensar sobre... Há um espetáculo a ser pensado, trabalhado, ensaiado. Quem é o autor do texto? Quem é o encenador? Há encenador e autor? É preciso improvisar. Devised theatre, é isso? Não? Então é o quê? Um espetáculo a ser pensado. Em que momento nos preocupamos com o espectador neste processo? Nunca? Quase nunca? Será ele capaz de dizer? Dizer algo, impor-se, emancipar-se. Será ele capaz? Este espetáculo é sobre um espetáculo e sobre todos os espetáculos. Jaime Salazar Sampaio escreveu esta peça que se nos afigura em forma de questionamento e de ruptura. Escreveu-a em 1999. Como olhamos para ela em 2019 é o que queremos mostrar. São 20 anos, o tempo da nossa reflexão.

Ficha Técnica:
 Texto: Jaime Salazar Sampaio
Encenação: Carlos Alves
Elenco: Carlos Alves, Isadora Lima, Joana Lourenço, Marco Mascarenhas e Onivaldo Dutra
Espaço Cénico e Desenho de Luz: Carlos Alves
Movimento: Marco Mascarenhas
Cenografia e Figurinos: Joana Lourenço e Carlos Alves
Adereços: Rita Rodrigues
Sonoplastia: Carlos Alves
Operação de Iluminação: Rúben Silva
Operação de Som: Andreia Pinto/ Soraia Fernandes
Fotografia: Isadora Lima de Oliveira
Design Gráfico: Carlos Catarino
Produção Executiva: Carlos Alves e Joana Lourenço
Produção: Ditirambus


Casa do Coreto
Rua Neves Costa, 45,
1600-532 Carnide, Lisboa

1, 2 e 3 de Fevereiro
Sexta e Sábado, 21h30
Domingo, 17h

terça-feira, 4 de setembro de 2018

A Ditirambus assinala nova temporada com festa e humor

A temporada 2018/2019 da Ditirambus vai ter uma programação, no mínimo, ambiciosa; acima de tudo, espera-nos muito trabalho. Pois, queremos começar este tempo com uma festa e partilhá-la com o público, com muito boa disposição.
Decidimos que ia ser assim. Juntem-se a nós!

Convidámos o humorista João Seabra para uma noite de comédia, em Lisboa. O espectáculo terá lugar no dia 8 de Setembro, no Auditório da SFUCO, nos Olivais.

Garantam o vosso lugar nesta festa; vão até ao site da Ditirambus e vejam como podem reservar o vosso lugar!
Até sábado!


sábado, 11 de agosto de 2018

HOJE DURMO EM BERLIM no Festival de Teatro de Setúbal

Estreia no Festival Internacional de Teatro de Setúbal, a 24 de Agosto. Com texto de A. Branco e interpretações de Carlos Alves e Henrique Gomes. Esta é uma produção White Noise Teatro e contou com o apoio à dramaturgia de Armando Nascimento Rosa e apoio logístico da Ditirambus.

Dois homens, uma casa, uma sala. Um dos homens é o atual dono da casa, o outro homem o anterior dono da casa. Não se conhecem, mas partilharam a mesma mulher. Agora, partilham o mesmo espaço.

HOJE DURMO EM BERLIM
Criação Colectiva
Interpretação: Carlos Alves e Henrique Gomes
Texto: A Branco
Apoio à dramaturgia: Armando Nascimento Rosa
Produção: White Noise

Secção "a concurso" do Festival de Setúbal

Auditório da Escola Secundária Sebastião da Gama Sexta-feira | 24 de Agosto de 2018 | 23h30 Duração: 60 min ESTREIA


sábado, 21 de julho de 2018

Temporada 2018/19 da Ditirambus: Passado, Presente e Teatro


Hoje, estivemos todos juntos a olhar para a programação que temos para a temporada 2018/19, no dia em que a nova Direcção da Ditirambus assumiu funções.
Neste texto, pretendi resumir muito do que está por detrás dessa programação:

A Ditirambus é um projecto teatral com uma história grande. Os vinte e três anos da companhia estão recheados de grandes produções, várias deslocações pelo país, muitos autores, outros tantos actores que por aqui passaram. Estivemos nas Gaivotas, o actual Pólo Cultural das Gaivotas, em Lisboa, sim, essa foi a nossa sede, no início; agora, ensaiamos na zona mais ocidental da cidade; e é também aí que desenvolvemos e vamos manter uma forte ligação à Comunidade e às Freguesias daquela zona de Lisboa.

Esta história e este presente são uma questão de tempo, uma questão de tempo com a qual nos debatemos e sobre a qual reflectimos; somos tempo, passado e presente, e o presente provoca-nos também. O presente desassossega-nos, nas violências e nas injustiças, nas mortes no Mediterrâneo e na Síria. E o tempo é também, para nós, o Teatro. A vontade de reflectir sobre Teatro, a vontade de o fazer; em tempos de glória ou mesmo quando não se vê vivalma.

Queremos estar mais perto de todos. Dos nossos espectadores, das comunidades que, em Lisboa, nos são próximas, do restante território nacional. Não há fronteiras espaciais quando o que fazemos é realmente para todos. Não esquecemos também o público infantil e juvenil. Há propostas para eles também.

Podia anunciar tudo já mas o interesse vai ser ir descobrindo. Fiquem connosco e descubram!

(Carlos Alves)


sábado, 23 de junho de 2018

Whatever

Vamos abordar o "wathever".
Sabem o que é ou...? “Whatever".
"Whatever", palavra inglesa, por todos nós açambarcada
Não há boca neste território que não a profira por tudo e por nada.
"Whatever", seja lá o que for, está na boca de qualquer estupor.
Diz-se "whatever" no final ou "whatever" no início
de qualquer frase mal enjorcada.
"Whatever" dá um ar "cool", "whatever" faz parecer bem
Ao menino dá-lhe um ar nórdico, à menina ar de enjoada
"Whatever" é assim mesmo, anglicismo enjoativo,
usado até ao exagero, usado sem nenhum motivo.
Sabes que estás só a misturar coisas estranhas
duas línguas diferentes num autêntico baralho
é o mesmo que um inglês dizer em suas conversas:
"I'm just kidding with you I'm just... ou o caralho"...

(Carlos Alves ou whatever, 23.06.2018)


quarta-feira, 20 de junho de 2018

Num Labirinto de Olhares Profundos

SANCTUARY
Criação de Brett Bailey
Co-produção Third World Bunfight e Maria Matos Teatro Municipal
Local: Estúdio 1 da Tobis, Lumiar 
Data: 19 de Junho, 20 horas

"Sanctuary" é uma curta viagem da qual não se sai com a respiração com que se entrou. Um labirinto opressivo, ladeado por grades e arame farpado, sujeitos a avisos - letras brancas e fundo azul, é a União Europeia a falar connosco. Um labirinto para estes novos Minotauros. A Europa é, hoje, e para os que a desejam alcançar, um espaço de "limbo" (é o próprio Brett Bailey quem o sugere) e é para esse limbo que somos atirados enquanto espectadores.
O confronto é olhos nos olhos com pessoas e as histórias delas que lemos, de cabeça baixa, enquanto somos observados o tempo inteiro. Desta vez, somos nós o foco da atenção, não eles. Os performers fixam-nos o tempo todo, até ao momento em que é difícil suportar o olhar. Enquanto nos ocupamos com outras coisas, a leitura de mensagens dispostas em ecrãs, eles continuam lá, a olhar-nos. No final, chega a ser incómodo virar as costas. Mas viramos as costas e seguimos. A instalação força o espectador a virar as costas ao problema. Que grandioso paralelismo!
As histórias de vida mas também a violência sexual, o lixo, a sujidade, o arame farpado, as roupas abandonadas ou perdidas, os coletes cor de laranja, as grades, os avisos de segurança e de proibição, o som das ondas do mar; está lá tudo.

Depois, o populismo, a xenofobia e o medo. Cruzamo-nos com o irracional antes de voltar à realidade (?)... antes de voltar à (nossa) outra realidade. A verdade dos que recusam mais pessoas dentro de umas fronteiras também existe, também está presente, também verte os seu olhar sobre nós.

A instalação do sul africano Brett Bailey coloca o espectador num ponto de alta sensibilidade. Atira-o para uma zona desconfortável, de barreiras, má iluminação, muitas ordens e muito desconhecido; depois, confronta-o com o silêncio dos outros; e ainda faz dele objecto de atenção. O performer é também um espectador do espectador. Este é o único que faz coisas, nomeadamente observa e lê. Os performers observam-no a fazer isso. É uma inversão violenta que deixa cada elemento do público (e cada elemento anda sozinho pelo espaço) ao sabor da descoberta.



Lisboa: Estúdio 1 da Tobis, no Lumiar, até 24 de Junho
Porto: Palácio dos Correios (Gabinete do Munícipe da Câmara Municipal) - 3º piso, de 2 a 6 de Julho

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Irving: de bobo a promotor de uma lady

Henry Irving (1838-1905) foi um actor britânico, durante a transição do século XIX para o século XX. Foi o primeiro actor a receber o título de Cavaleiro, em Inglaterra. Isso aconteceu em 1895.
Anos antes, estando a sua mulher, Florence, grávida do segundo filho, durante um passeio de carruagem, ela perguntou-lhe se ele pretendia continuar a ter essa profissão de palhaço para o resto da vida. Ele saiu da carruagem e nunca mais a viu.
No entanto, os dois não se divorciaram formalmente. Em 1895, quando Irving foi nomeado Cavaleiro, Florence passou a chamar-se a si própria de "Lady Florence".


terça-feira, 1 de maio de 2018

O Estagiário


(texto do programa Panela de Pressão de 1 de Maio, na RDS Rádio)

Atenção! Atenção!

Hoje é dia. Hoje é dia especial. Rádio. Atenção. Rádio, animação. Atenção! Novidades. Hoje. Dia especial. Hoje.
Vou anunciar.

Este programa vai ser, nos próximos tempos, digo meses; nos próximos tempos; vai ser assegurado por um ESTAGIÁRIO.

(Música. Blaya – Faz Gostoso)

Atenção! Ordem! Atenção!

Um estagiário é um estagiário, não é um animal. Um estagiário é um animal mas com dignidade. Um animal também tem dignidade. Um animal tem muita dignidade. Um animal tem mais dignidade do que um estagiário.

Vamos ver! Vamos ver!

Estamos a chegar ao Verão, pelo que... Estamos quase a chegar ao Verão... Já é Maio... Ainda só é Maio... Já é Maio... É quase Verão. Estamos a chegar ao Verão. Toda a gente precisa de férias. No Verão. Toda a gente precisa de férias. Toda a gente precisa de estagiários. Não comem, não bebem, não falam. Podem falar. Na rádio é útil que falem. Mas não comem nem bebem. E gostam. Não recebem salário e trabalham... Se vocês vissem um estagiário a trabalhar!... Isso é que eles são!... Até nos dá vontade de começar a trabalhar também.

Mas não. É quase Verão. Precisamos de férias. Toda a gente precisa de férias. O estagiário fica. E faz. Fica e faz. O que for preciso ele faz. Ele faz o que for preciso.

E não discute. Não reclama. É estagiário. Que importa! Desde que faça. Que importa? Pode vir da Universidade Católica. O papá paga. Ou pode vir de uma faculdade pública. São mais mal vestidinhos mas também não reclamam e são mexidos. O pai paga. Em qualquer dos casos. Esperemos que o pai pague. Senão, só em sandes é um balúrdio. Se o rapaz vier para aqui com fome. Ou a rapariga. Com fome. Também pode ser uma rapariga. Desde que consiga fazer os mesmos graves que eu. Uma rapariga boa que faça graves. Digo, uma rapariga que faça bons graves. Uma boa rapariga boa a fazer graves. Bons graves.

Os ouvintes estão habituados a ter bons graves. Os ouvintes querem continuar a ter bons graves. A ter graves, digo. Os ouvintes, por norma, são graves. E desde que a emissão não pare que importa que se seja um estagiário? Que importa que seja? Não pensamos muito nisso. Os ouvintes não pensam muito nisso. Que importa? Quem seja? Não importa.

Que não coma, não beba, não receba salário. Não importa. O pai paga.

E todos precisamos de férias. É Verão. É quase Verão. Todos precisamos de férias. Todos precisamos de um estagiário.


sexta-feira, 6 de abril de 2018

Porque vamos estar na rua?

Os artistas vão estar na rua hoje, em Lisboa, no Porto, em Coimbra, Beja, Ponta Delgada e Funchal. Na última semana, os profissionais (de profissões não regulamentadas) moveram-se, protestaram, discutiram e fizeram o Governo e o Primeiro-Ministro parar para pensar. Ele pensou e tem vindo a atirar com dinheiro para cima. Aumentou a dotação orçamental, mais companhias vão ser apoiadas. Está bem.

Maiores do que os motivos que fizeram rebentar a contestação são os motivos que a devem sustentar. Termos de estar continuamente a explicar a importância da Cultura para um país é um exercício interessante mas torna-se cansativo. Preferíamos que se percebesse à primeira.

É por isso que vamos estar na rua. Para explicar, mais uma vez.

Pedir um por cento para a Cultura é apenas pedir um número - eles percebem melhor quando se fala em números.

É por isso que vamos estar na rua. Os bancos têm pedido números muito mais pesados e recebem logo. Vamos ver se resulta connsoco também.

Temos uma profissão, ela deve estar regulamentada e encarada como tal. O teatro, a dança, a luminotecnia, por exemplo, não são hobbies. Compreenderão que passar dias dentro de uma sala de ensaios seja muito fraca escolha como hobby.

É por isso que vamos estar na rua. Para dizer que profissões que pagam impostos (mais impostos do que outras até) podem e devem ser regulamentadas.

Acima de tudo, que se entenda a Cultura como início e fim de uma democracia.

É por isso que vamos estar na rua. Por uma democracia culta e informada.

(Carlos Alves)



terça-feira, 27 de março de 2018

Mensagem do Dia Mundial do Teatro 2018

Por Sabina Berman (México)
Tradução de Renato Alves
Divulgada pelo Instituto de Teatro Internacional

Podemos imaginar.
A tribo caça pássaros lançando pequenas pedras no ar, quando um gigantesco mamute surge na cena e RUGE - e, ao mesmo tempo um pequeno humano RUGE como o mamute. Logo, todos fogem...
Esse rugido de mamute proferido por uma mulher humana - quero imaginá-la mulher - é a origem do que nos torna a espécie que somos. Uma espécie capaz de imitar o que não somos. Uma espécie capaz de representar o Outro.
Saltemos dez anos, ou cem, ou mil. A tribo aprendeu a imitar outros seres e representa no fundo da caverna, na luz trêmula de uma fogueira, quatro homens são o mamute, três mulheres são o rio, homens e mulheres são pássaros, chimpanzés, árvores e nuvens: a tribo representa a caçada da manhã, capturando o passado com seu dom para o teatro. Mais surpreendente: assim a tribo inventa possíveis futuros, ensaiando possíveis maneiras de vencer o inimigo da tribo, o mamute.
Rugidos, assobios, murmúrios - a onomatopéia desse primeiro teatro - se tornarão linguagem verbal. A linguagem falada se tornará linguagem escrita. Seguindo esse caminho, o teatro se tornará rito e, logo mais, cinema. E na semente de cada uma destas formas, continuará presente o teatro. A forma mais simples de representação. A única forma viva de representação. O teatro, que quanto mais simples é, mais intimamente nos conecta com a mais maravilhosa habilidade humana, a de representar o Outro.
Hoje, em todos os teatros do mundo, celebramos essa gloriosa habilidade humana de fazer teatro. De representar e assim, capturar nosso passado para entende-lo – ou de inventar possíveis futuros, que podem trazer mais liberdade e felicidade à tribo.

Eu falo, claro, das peças que realmente importam e transcendem o entretenimento. As peças
que importam, hoje são propostas da mesma forma que as mais antigas: derrotar os inimigos contemporâneos da felicidade da tribo, graças à capacidade de representar. 
Quais são os mamutes a serem vencidos hoje no teatro da tribo humana?
Eu digo que o maior mamute de todos é a alienação dos corações humanos. A perda da nossa capacidade de sentir com os Outros: sentir compaixão. E nossa incapacidade de com o Outro não-humano: a Natureza.
Que paradoxo. Hoje, nas margens finais do Humanismo – da era do Antropoceno - da era em que os seres humanos são a força natural que mais se transformou e mais transformou o planeta - a missão do teatro é inversa à que reuniu a tribo originalmente para fazer o teatro no fundo da caverna: hoje, devemos resgatar nossa conexão com o mundo natural.
Mais do que a literatura, mais do que o cinema, o teatro - que exige a presença de seres humanos diante de outros seres humanos - é maravilhosamente adequado à tarefa de nos salvar de nos tornarmos algoritmos. Abstrações puras.
Deixe-nos remover do teatro tudo o que é supérfluo. Deixe-nos desnudá-lo. Porque quanto mais simples é o teatro, mais fácil é lembrar-nos do único fato inegável: nós somos, enquanto estamos no tempo; que somos enquanto somos carne e osso e corações batendo em nosso peito; que somos o aqui e agora, apenas.
Viva o teatro. A arte mais antiga. A arte mais presente. A arte mais maravilhosa. Viva o teatro.

____
*sublinhado meu

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

E Se Fosse Com o António Calvário?


Estou muito aliviado hoje porque já sei que não fui escolhido para apresentar o Festival da Canção. É menos um problema.

Serve este prelúdio presunçoso e patético para avançar na abordagem à escolha das quatro apresentadoras quatro que vão lidar a corrida na Arena da Altice, na próxima edição do Festival da Eurovisão. Culpa de Salvador Sobral, o Festival, neste ano, realiza-se em Lisboa, o que representa enorme regozijo entre todos os nacionais vivos. Lembremos que há dois anos ninguém levantaria os olhos dos classificados do Correio da Manhã para perder tempo a olhar para o Festival da Canção. Tempos houve em que este era um evento que, quando muito, se via de costas. As coisas mudaram, a música agora é outra e o Festival é prestígio.

O alarido foi grande aquando a revelação das escolhidas apresentadoras que espalharão charme e sorrisos por essa Europa fora, em Maio. Catarina Furtado, um clássico; Sílvia Alberto, a réplica do clássico; Filomena Cautela, algo demasiado acelerado para ser classificado por ora; e Daniela Ruah, a representante portuguesa de Hollywood na Europa, para espetar na cara do resto do continente.

As primeiras vozes críticas surgiram de imediato em torno do género das escolhidas. “Então, mas é só mulheres”? Argumento facilmente rebatido por dar-se o caso de que, até ver o trabalho dessas quatro mulheres, não estou certo de que alguém o faria melhor só por ter um pénis. Questão respondida, podemos avançar.

Engraçou-me o impacto da escolha das apresentadoras do evento, o qual antes qualquer um atiraria, sem qualquer pena, para as mãos do Eládio Clímaco. “O Eládio faz, ele também já está habituado aos Jogos Sem Fronteiras...”

Agora não. Desta vez, procurou-se uma frente nacional de beleza feminina, sorrisos bonitos e corpos para vestidos de estilista famoso. Foi preciso um tipo desconchavado com um casaco dois tamanhos acima para entregar glamour à Eurovisão. O assunto de que nem se queria falar, virou trend do dia. Um Festival que antes era seria visto como coisa para despachar para o José Figueiras, agora até a Cristina Ferreira apresentaria de bom grado. Um evento que carregava o peso de ser bimbo, agora é discutido no twitter. Onde não há pessoas bimbas, só intelectuais cosmopolitas. A dizer barbaridades a toda a hora mas são barbaridades intelectuais e cosmopolitas.

Quem diria que ainda um dia haveríamos de ver a Eurovisão ser tão relevante para para Portugal! Note-se que a primeira vez que lá fomos foi com uma canção chamada “Oração”, cantada por António Calvário, muito bem executada, não se duvida, mas que era a depressão em forma de notas musicais. Era como se tivessem cortado o Salazar em pedacinhos e o tivessem espalhado por uma pauta em forma de fusas e semi colcheias.