segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Teatro Turim - O último dia dos meus quatro anos

No final do espetáculo de ontem, os aplausos e o desligar dos projetores souberam a fim. Era o último espetáculo do Teatro Turim. Vamos aguardar pelo futuro daquele espaço mas, por agora, é um espaço a menos. Mas com muitos mais que ficam fechados lá dentro. Lembro-me de todos os mais.
Quando, em 2013, eu e a Ana Campaniço tivemos a veleidade de nos lançar numa criação a dois, um projeto embrionário do que viria a ser a nossa AC.CA Produções, batemos à porta do Turim. E a porta abriu. Poucos meses depois, apresentávamos lá o "Camarim", essa primeira peça, esse primeiro esboço de um projeto teatral a longo prazo.


Depois disso, tivemos muito por onde crescer e muita coisa por conquistar. Público, desde logo; interesse pelos nossos espetáculos, também; capacidade de concretizar uma programação regular, tivemo-la.


O Teatro Turim foi, assim, o habitáculo disto tudo. De um projeto em construção, de vários projetos em experimentação; salas com pouca gente, no início; salas surpreendentemente cheias nos últimos dois anos. Crescemos muito naquele teatro.

Criámos a Oficina de Teatro e, com ela, juntámos um grupo de pessoas empenhadas, com imensa vontade de aprender e de fazer arte. Fizemos arte com essas pessoas, as mesmas que ontem encerraram o Turim, com um espetáculo delicioso.


Em quatro anos vivem-se muitas histórias para contar e guardam-se muitas memórias. Não tem interesse largá-las, vão ficar no interior de cada um de nós que as viveu. E os mais importantes e marcantes são as pessoas com quem partilhámos esse tempo. Os colegas e os alunos, certamente, mas esses seriam os mesmos noutro lugar qualquer. Na verdade, do Teatro Turim levamos duas pessoas na memória e no coração.
A Lurdes Silva, a mulher que nos abriu a porta e disse sim, podem entrar; aquela que sempre e sem exceção nos brindou e a todos os que entraram ali dentro com um profissionalismo à prova de fogo; aquela que, em certos momentos, foi apaziguadora de tensões e stress pré e pós criativo.
Já sobre o Henrique Moreira, tenho uma coisa a dizer. Todos os espetáculos que fizemos estavam piores antes de ele intervir. Em tudo o que nos criámos, o Henrique colocou a sua atenção e a sua capacidade de, com uma luz que fosse, transformar algo potencialmente interessante em alguma coisa bonita. Quanto ao resto, também partilhou connosco os traumas pré e pós criativos e para todos eles teve uma palavra e um abraço.


Parece-me este um relatório sentimental breve e pouco exagerado do que foram quatro anos a habitar no Teatro Turim. É triste, dá uma certa nostalgia ver algo assim acontecer mas não é o fim do mundo. Há um certo peso quando a cortina se fecha pela última vez e se sente que vão ficar muitas saudades mas tudo vai continuar noutro local, noutros locais. O que fica é apenas isto. Histórias, memórias e, no nosso caso, um período muito importante e muito intenso de um percurso artístico.


Por fim, deixo uma mensagem para os proprietários do Teatro Turim, uma mensagem de agradecimento. Se tudo o que atrás vivi e descrevi a eles se deve. Deveu-se a eles a existência de um lugar de experimentação, de criação, de teatro. Por todo o público que pode desfrutar de coisas boas e tão diversas, por todos os meus colegas que ali encontraram, como eu, oportunidade e acolhimento para trabalhar, para mostrar projetos, para fazer arte, o meu muito obrigado.
Sei bem dos encargos financeiros que manter um teatro a funcionar comporta, sei bem do escasso retorno desse investimento mas também sei bem da importância de ele existir. Quando vejo alguém interessado ou permissivo em que um teatro exista, em que profissionais do espetáculo tenham onde criar, em que o público tenha acesso à Cultura, não podia ficar senão inteiramente grato.
Não o devendo fazer, julgo falar por todos os que, de uma forma ou de outra, contactaram com o Teatro Turim. Ele foi importante para mais do que uma geração de artistas. Por isso, neste momento de interrupção, a minha última palavra vai para quem detém o Teatro Turim. Obrigado por ele ter estado cá até agora! Se ele voltar, será tão ou mais importante do que o que já foi.





sábado, 16 de dezembro de 2017

Uma lista de 2017: "Menina sem Estrela" de Nelson Rodrigues

Estamos em período de listas. São as listas dos melhores do ano. Os melhores filmes, as melhores séries, os mais vistos, os mais gostados, os mais gozados, os mais bem vestidos e os mais queridos, os mais cómicos e os mais dramáticos, os mais ricos e os outros, listas, listas, listas... Os melhores de 2017. Gosto de listas, ainda que as ache perfeitamente inúteis. Na lista de coisas inúteis incluo as listas. Mas, no final do ano, fazem-se listas. Também de livros. Os mais vendidos, os mais lidos (que é diferente de mais vendidos) e os melhores. Gosto de listas, acho-as inúteis, quero fazer uma lista!

De livros. Não vou selecionar os melhores. Li poucos o suficiente para não saber escolher os melhores e talvez não tenha lido nenhum dos melhores. Mas li alguns de que gostei. Nos próximos dias selecionarei algumas leituras que fiz em 2017 para falar delas e recordá-las. É uma lista o que vou fazer nos próximos dias.

Não seguindo qualquer ordem nesta lista que vou fazer - também não aguento listas ordenadas -, hoje menciono uma obra de caráter autobiográfica de um dos meus autores de eleição, Nelson Rodrigues. A Menina Sem Estrela reúne as memórias do dramaturgo brasileiro, numa escrita fluída, crua e apaixonante.
Nestas memórias estão a morte, a sexualidade, a violência, o sarcasmo, o êxito e a rejeição. Uma extensão das peças de Rodrigues ou a causa delas, não sei e não interessa porque tudo isso existe, tudo isso é forte, tudo isso trágico e as memórias não têm de ser belas, têm de ser memórias.

Edição Tinta da China - Novembro de 2016



"O grande ator nada tem de truculento nem berra. É inteligente demais, técnico demais; e tem uma lucidez crítica, que o exaure. O canastrão, não. Está em cena como um búfalo da ilha de Marujó. É capaz de tudo. Sobe pelas paredes, pendura-se no lustre e, se duvidarem, é capaz de comer o cenário. Por isso mesmo, chega mais depressa ao coração do povo, deslumbra e fanatiza a plateia"

domingo, 10 de dezembro de 2017

As Solidárias

Elas dão, elas baralham
Elas tiram, elas caralham
Preocupam-se com quem não tem
Voam alto por alguém
Multiplicam dez por cem
São umas tipas bestiais
São uns gajos tipo brutais
Fazem o que ninguém imagina
Mesmo trinta por uma linha

São profundamente…
Fogo!... São mesmo do caralhiço
Elas causam rebuliço
Eles dão tudo por isso

Mas, no fim, de formas várias
Vem-se a saber que as canalhas
De formas várias
As canalhas
Elas tiraram e abusaram
Foderam e refoderam
Só não fizeram o que não quiseram
De formas várias se soube
E por tantas coisas várias
E por serem más e várias
Putas, longe!
Mas estou farto de solidárias.

(Carlos Alves, 10/12/2017)

Fonte imagem: Revista VIP