“Se não viesse o Centro, eu já estava a fazer tijolo”, responde Sebastião Pinto, residente na aldeia de Balsa, quando lhe perguntamos sobre a importância que a ajuda domiciliária do Centro de Vila Verde lhe presta. O senhor Sebastião não estava em casa quando chegou a carrinha com os almoços. Estava numa casa vizinha. “Para não gastar a minha lenha, assim gasto a dos outros”, explicou em tom de brincadeira.
Este é apenas um dos 35 idosos que, em toda a freguesia de Vila Verde, são apoiados pelo seu Centro Social, uma instituição particular de solidariedade social nascida em 1984. O presidente, António Duarte, explica-nos que no início do seu mandato eram 28 os beneficiários. A sua direcção apostou na divulgação deste serviço porque acreditava que havia muitos mais a necessitar do apoio. Angariaram novos utentes mas António Duarte acredita que há ainda mais gente a precisar mas que recusa “ou por vergonha ou por parecer que ficam mais velhos ou então é a dependência que talvez crie alguma objecção”. A verdade é que há, na freguesia de Vila Verde, pessoas com mais de 80 anos a viver sozinhas.
Vila Verde é a freguesia mais vasta do concelho de Alijó, sendo constituída por oito aldeias. Fica situada na parte norte do concelho, numa zona de montanha, alta e fria. Alberga 998 habitantes, uma população bastante envelhecida. Fica a 20 quilómetros da sede concelhia, a vila de Alijó. A direcção do Centro Social sonha agora construir um lar para receber a população idosa, um espaço de acolhimento para as gentes da freguesia que já deixaram uma longa vida para trás e que agora se vêem sem acompanhamento e muitas vezes sem todas as condições para uma vida confortável. Muitos dos que estão ao cuidado daquela instituição são, na opinião de Carina Carvalho, uma das técnicas ao serviço do Centro, “pessoas que já trabalharam muito e estão numa idade em que precisam de descansar, acima de tudo”.
Comida, higiene e sobretudo afecto
A acção social do Centro de Vila Verde junto da população idosa consiste na entrega de refeições ao domicílio, lavagem de roupa, limpeza das casas e higiene pessoal. Os beneficiários são essencialmente pessoas que vivem sozinhas e sem condições para tratar de si sem ajuda.
António Guedes, de 62 anos, é o responsável por distribuir os farnéis com os almoços. Por volta do meio-dia, todos os dias, entra na carrinha e percorre as aldeias da freguesia parando e entrando nas casas dos utentes que aguardam a refeição. “É um trabalho de grande responsabilidade”, confessa. Mas diz com orgulho: “Sinto-me uma pessoa de bem nesta tarefa”. Os idosos que diariamente esperam o senhor António têm com ele uma boa relação. Vêem-no chegar com a alegria de quem recebe uma visita e uns minutos de companhia. “Todos se dão comigo. A minha idade também me dá um calo e uma experiência para viver com eles. Faço-lhes tudo o que posso. Às vezes até levá-los à casa-de-banho. Mas estou preparado para isso tudo”, conta.
Os próprios utentes também tiveram de se adaptar ao serviço que lhes passou a ser prestado. Ao início, lembra António Guedes, era complicado. As pessoas não cuidavam da comida nem dos recipientes, muitas vezes deixavam os cães comer. Também aí houve trabalho a fazer. “Agora já é de outra maneira porque a gente vai-os preparando”.
Também Carina Carvalho lida diariamente com os utentes. Também ela assume uma boa convivência e reconhece a importância que a sua presença pode ter para combater certas situações de solidão. “Eles contam-nos tudo, as chatices que tiveram, fazem-nos as queixinhas todas. Também precisam de atenção, de miminho, de um abraço”. O mais difícil, desabafa Carina, talvez seja mesmo “ouvir situações pelas quais eles passam com os filhos, muito injustas”. Embora não haja abandono total, “há muita negligência por parte dos filhos e muita solidão”. “Mais do que da limpeza, eles precisam de muito afecto, muita atenção”, conclui.
A luta por um lar de idosos
É também essa a razão que leva Vila Verde, pela mão do seu Centro Social, a ambicionar ter um lar de idosos. “Nós temos a necessidade de ter aqui na freguesia um lar de idosos, para mim isso é um dado adquirido”, salienta António Duarte. O presidente da direcção do Centro tem aproveitado a véspera de Natal para acompanhar a carrinha de distribuição de refeições e estar de perto com esta realidade. “Reparei que há muitos idosos a viver em condições em que ninguém imagina que ainda seja possível viver”. Por essa razão, assume que “um lar de idosos deve ser um objectivo que presida a quem quer que esteja na direcção do Centro Social de Vila Verde”. De resto, foi já entregue uma candidatura que está por decidir, embora tenha havido já uma aproximação da negativa. Mas António Duarte promete não baixar os braços. Se esta candidatura for chumbada, o Centro voltará a candidatar-se aos novos concursos que vão existir, ao abrigo do QREN.
Vila Verde já apresentou as razões que justificariam os subsídios e a aprovação deste projecto. Mas há a consciência de que nem sempre as decisões se baseiam nos critérios fundamentais e que muitas vezes a política se sobrepõe ao social no momento de aprovar ou reprovar um projecto. A verdade é que Vila Verde é uma freguesia pobre, com carências e poucas infra-estruturas, em contraste com outras freguesias vizinhas do mesmo concelho.
A grande parte dos idosos vivem à custa de uma reforma muito baixa. É o caso de Ana da Conceição Carvalho, de 83 anos, que lamenta a “reforma pequenina” que recebe. “Deviam dar mais um bocadinho mas o de Lisboa não a quer dar”, protesta, referindo-se a José Sócrates. Não gosta do primeiro-ministro? “Eu gosto de todos mas tanto dão uns como os outros”, afirma. Conceição Carvalho vive com o marido, António Carvas, 73 anos. Não estava em casa durante a nossa conversa. Haveríamos de o encontrar mais tarde, à saída da aldeia, atrás de um rebanho de ovelhas e cabras. Comunicamos-lhe que já tinha o almoço em casa. Por esta altura já Ana Conceição devia ter começado a comer. “Estamos contentes com a comida do Centro. Se não, não comíamos nada”.
Almerinda Macedo tem 70 anos e é invisual. Vive sozinha. Conta-nos da prenda que o presidente do Centro lhe levou no Natal. Fala com gratidão sobre a equipa do Centro Social que a apoia no dia-a-dia, ela que perdeu a visão aos 20 anos. “Fazer as coisas em casa custa-me muito”.
António Guedes conhece bem as condições em que vivem estas pessoas e não tem dúvidas: “estavam melhor num lar, eram mais bem acompanhadas, tinham apoio todo o dia e toda a noite”. Enquanto tal não é possível, o serviço domiciliário vai prosseguir, mas na certeza de que muito mais pode ser feito. Na certeza de quem quer dar aos seus as estruturas e condições que as populações vizinhas também receberam.
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