Em Portugal, continua o registo de muita parra e pouca uva,
agora no que toca às matérias gregas. A solidariedade com o povo grego é tanta
que só não sei como é que ainda andamos todos a falar português. A alegria com
o resultado do referendo na Grécia até me fez esquecer as alturas em que houve
referendos em Portugal e mais de metade dos eleitores não pôs lá os pés. Não
fazia ideia que os portugueses gostavam tanto de referendos. Ou, se calhar, só gostam
dos referendos dos outros. Da mesma forma que mostram solidariedade quando os
outros têm a utilização do multibanco racionada. Mas aqui, quando lhes disseram
que tinham de trabalhar a recibos verdes, nem abriram a boca. Ou quando lhes
oferecem trabalho em troca de um subsídio de alimentação e aceitam sem discutir.
Nestes casos, esquecem a vontade de resistir e vão arranjar bandeiras da Grécia
para pendurar no Castelo de São Jorge.
Não sei se no final do dia em que
ergueram essa bandeira no Castelo foram vistos como heróis junto dos familiares
e amigos; se foram, parabéns, mas de resto foi apenas inconsequente. Basta ter
imaginação e tempo livre para “entrar” nas lutas dos que estão longe; para as
lutas de cá dentro, as que importam e nos são próximas, é preciso coragem. E
essa está claramente ao nível de não ter medo de subir ao castelo. É uma
espécie de reivindicação turística.
Esse movimento “Eu não me vendo” tem realizado umas ações a
fugir para o engraçado – ainda que eu nunca tenha visto ninguém a rir-se delas –
e não passa daí. Esta semana resolveram divertir-se com a bandeira da Grécia.
Porque estão solidários. E estar solidários é espalhar bandeiras dos objetos da
solidariedade. Não entendo então porque é que ainda não está uma bandeira do
Nepal no Castelo de São Jorge. Ou uma da Tunísia. Porque é que não há tamanha
solidariedade com os milhares de vítimas do estado Islâmico ou com as dezenas
de figurantes das telenovelas. Todos eles sofrem muito e certamente ficariam
muito aliviados com as brincadeiras do movimento “Eu não me vendo”.
Este movimento está ligado a um outro movimento, o Agir. Basicamente
são pessoas que fazem movimentos e movimentam-se muito mas não sabem muito bem
para onde se movem. Eu acho que há pessoas que nasceram para pertencer a
movimentos. De manhã, acordam e vão para o movimento, depois almoçam no
movimento e à tarde saem para ir ao outro movimento porque antes de jantar
ainda vão ter um workshop em movimentos e depois uma conferência com o chefe do
movimento, que lhes vai explicar como nasceu o movimento e pedir-lhes para
pensar em casa o que é que querem fazer com o movimento. No dia seguinte, ainda
não descobriram o que fazer com o movimento e então saem do movimento e criam
outro movimento.
Mas afinal tanto movimento nem uma brisa levanta.
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