quinta-feira, 24 de maio de 2012

Só lendo sem dó nem piedade

Alberto Gonçalves dedicou uma parte da sua crónica na última edição da revista Sábado ao filme "Aquele Querido Mês de Agosto", do Miguel Gomes.
Eu gosto dos textos do Alberto Gonçalves. Gosto do radicalismo assumido, do exagero mordaz, do humor refinado, do politicamente incorreto e do reacionarismo (não necessariamente negativo) da abordagem aos temas e alvos escolhidos. Leio essas crónicas com prazer - a escrita é boa - mas sempre com a convicção de que não podem ser demasiadamente levadas a sério. Digo "a sério" no sentido de uma análise rigorosa dos temas. Essa Alberto Gonçalves não faz e, porventura, nem quer fazer. Aquilo que o autor escolhe para criticar, apontar e maldizer é criticado, apontado e maldito com toda a força que a semântica pode ter. E, pelo caminho, não olha a pormenores nem possibilidades. Pelo contrário, exagera os defeitos para fortalecer o ataque. O resultado é, como disse, um texto bem feito, com piada e normalmente arrasador.
Foi o que fez com o filme do premiado realizador português. Reduziu o "Aquele Querido Mês de Agosto" a uma tentativa falhada de cinema e nem perdeu muito tempo a explicar porquê. Tudo para criticar os cineastas que, com Miguel Gomes à cabeça, se queixam dos cortes nos subsídios para o cinema português. Alberto Gonçalves arrasou uma obra para justificar o seu ponto de vista em relação aos apoios do Estado à Cultura.
Mais uma vez o texto está bem escrito, é divertido e "mortal". Porém, os fundamentos são maus. O autor conta que, enquanto via o filme, metade das pessoas que estavam com ele adormeceram, outras desejavam a morte (já que, diz ele, invejavam um porco que aparece a ser morto) e que acabou por cortar relações com o amigo que propôs o visionamento do DVD. Parece-me um relato exagerado do que se terá passado, mesmo que o filme fosse assim tão mau. Mas não é. É um dos melhores filmes portugueses das últimas décadas (e estou certo de que exagero menos do que Alberto Gonçalves). Já agora, meu caro Alberto, a protagonista não é bombeira. É estudante e vigia florestas no verão, o que é diferente de ser bombeira. Já que queremos entrar a matar, vamos também ser rigorosos. Mas percebo que o que interessava não era a profissão das personagens, era arrasar os clamores por apoios ao Cinema e "bombeira" sempre é um termo mais eficaz para efeitos humorísticos do que "vigilante de florestas". Afinal é isso que importa nas crónicas de Alberto Gonçalves, o efeito e não o substrato. Se o efeito arrasar o substrato melhor ainda.
Por tudo isto, digo que não podem ser levadas muito a sério. Mas eu vou continuar a lê-las. Gosto de as ler, mesmo quando discordo profundamente. Prefiro ler alguma coisa que me desconforte e que choque contra as minhas opiniões de forma até bárbara mas que esteja bem escrita do que olhar para reflexos das minhas opiniões numa prosa que mete medo.

Esta cena é para si, Alberto Gonçalves!

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