Tenho saudades dos tempos em que mandávamos toques para o telemóvel uns dos outros. É algo que marca o início do século XXI, pelo pico de inutilidade que o ser humano é capaz de atingir. Para quem já não se lembra, mostrando assim ter um inconsciente bem afinado, falo de uma prática dos adolescentes da minha geração que, após terem recebido o seu primeiro telemóvel, descobriram que aquilo dava para chamar e desligar sem que os outros atendessem. Além disso, o telefone registava o número de onde tinha sido feita a chamada não atendida. Estavam reunidas as condições para um divertido entretenimento e uma bela confraternização. Aquilo era, no fundo, o Facebook e o Twitter da altura. Um jovem estava em casa sem nada para fazer ou estava nas aulas a não fazer nada, lembrava-se de um amigo ou de uma amiga e vai de pegar no Nokia biqueira larga e aí vai disto, deixa tocar uma vez e desliga. O outro, que recebia o desafio, respondia na mesma moeda. E, se calhasse, ficavam uma hora nisto.
Eu não me envergonho de dizer que também entrei nesta onda. Nunca tive um Nokia, preferi sempre marcas alternativas, mas o efeito era o mesmo. Tinha o meu telemóvel a tocar a toda a hora sem que falasse com alguém e a toda a hora ligava aos meus amigos sem que lhes desse hipóteses de eles me atenderem. Olhando para trás, hoje não sei porque o fazia, mas a verdade é que na altura também não.
Todavia era como se, sem dizer nada, dissessemos tudo através do nosso nome a aparecer no visor do telemóvel da outra pessoa. E isto é tão real, que nós interpretávamos o toque que recebíamos e a nossa reacção era diferente, dependendo de quem ligava. Tal e qual acontece quando alguém fala connosco. Aquilo era comunicação! Quando o telefone tocava uma vez e parava, a nossa reacção podia assumir várias formas de expressão: "eh pá, este chato outra vez!" ou "esta gaja não me larga!" ou ainda "olha este palhaço!". O que é certo é que independentemente do que nos viesse à cabeça, de imediato procedíamos à nossa ligação, colocando todo o nosso estado de espírito na tecla verde do telemóvel.
Agora imaginem o que era receber um toque da pessoa por quem estávamos apaixonados, a mulher da nossa vida, a nossa motivação para ir à escola todos os dias (não estou a falar de nenhuma professora)! Bom, receber um toque dessa pessoa era praticamente um pedido de casamento. Era razão para ficarmos eufóricos, razão para já não dormir ou quando muito dormir com o telemóvel na almofada. Aquele telemóvel era, a partir desse momento, o objecto mais valioso do mundo. Não tinha acontecido nada, não tínhamos falado, mas algures a nossa amada tinha-se lembrado de nós e tinha olhado para o nosso nome na lista telefónica!
As novas tecnologias, as redes sociais e os SMS gratuitos vieram acabar com esta dinâmica comunicacional tão incompreensível quanto arcaica. Pois era verdade que nós tínhamos uns aparelhos modernos nas mãos mas aquilo que fazíamos com eles era em tudo idêntico à comunicação por sinais de fumo dos tempos antigos.
Mas agora, olhando para a juventude actual, é pena que eles não tenham adoptado isto e prefiram as mensagens escritas. Porque com a comunicação por toques, evitavam-se os erros ortográficos, uma das maiores pragas dos tempos modernos, que não há acordo que resolva.
Pela minha parte, estou em condições de garantir que hoje em dia seria incapaz de ligar para alguém e desligar sem deixar atender. E se hoje em dia alguém me fizer isso, vou à polícia dizer que ando a ser perseguido.
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