Começamos com um facto: o IVA na restauração aumentou no início do ano. Resultado esperado: os preços nos restaurantes vão subir. Hipótese empírica daí decorrente: as pessoas vão deixar de ir aos restaurantes.
Era esta a hipótese que interessava provar (notem que não digo testar, era mesmo para provar) no início deste ano. Na primeira oportunidade, fizeram-se diretos a partir de restaurantes, onde estavam pessoas a fazer uma coisa que se faz muito em restaurantes, que é comer. Já estavam a estragar tudo! Seria bom que o restaurante estivesse vazio para comprovar a tese do jornalista de que, com o aumento do IVA, as pessoas já não iam aos restaurantes... Mas estavam lá aqueles indivíduos a provar embirrantemente que não era bem assim. Vamos falar com eles, ainda assim.
- Então já sabe que isto está mais carote...
- É.
- Então e já pensou nisso?
- Já. Mas tenho de comer.
- Mas vai deixar de vir tantas vezes ao restaurante, não vai?
- Não, tenho de vir... comer!
(Este diálogo é fictício, mas retrata eficazmente a realidade)
E é assim que se destrói a tese de um jornalista, ainda que a sua insistência em prová-la tenha ficado bem demonstrada.
Vamos a mais um caso (dramático)- Reportagem da RTP - verão de 2011:
Tese a demonstrar: o Algarve é do best e "coitadinhos dos que cá não estão..."
Jornalistas na praia atrás das pessoas que descansadamente gozam férias. Segue-se mais um diálogo ficcionado mas tão próximo da realidade que até dá pena.
- Como é que se está aqui no Algarve?
- Está-se bem. (Pudera, as pessoas foram para lá é porque se sentem lá bem...)
- E não preferia estar noutro sítio?
- Não. (Pudera, se eles escolheram ir para ali passar férias, foi porque não quiseram ir para outro lado, e estou em crer que, mesmo que tivessem querido, agora não iam dizer)
- E sente pena de quem não pôde vir para o Algarve?
- Sim. (Neste momento, a pergunta é tão parva, que eu estou em crer que o entrevistado nem a leva a sério. Ainda que leve, a resposta só pode ser positiva, pois...)
Foi mais um exemplo de como transformar verdades nossas em verdades de todos.
Levar os outros a dizer o que queremos que digam não é fácil e exige perícia. No fundo, não é para todos. Tal como o jornalismo não é para todos. Ainda assim, o exercício do jornalismo exige mais de nós do que a arte de levar os outros a repetir o que nos vai na mente. Este, tenho a certeza, é um truque que se aprende facilmente, nem é preciso ler muito. Já o outro... às vezes também parece que não, mas depois sai asneira. E vemos tanta diariamente...!
O vox populi, essa forma nobre do jornalismo televisivo, usado todos os dias até à náusea, tem a sua beleza democrática - assumindo que fazer perguntas inócuas para obter respostas ocas é democrático -, porém em sobredosagem leva à depressão e à agonia. Há momentos de telejornal que são piores do que alguns comprimidos que conheço. Tentem acabar com essa parvoíce, não nos encaminhem para a overdose!
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