Quantas vezes dizemos não ao longo de um dia? Quantas
ouvimos não ao longo da vida? Tantas ou mais ou menos do que ouvimos e dizemos
sim? Não é fácil contabilizar, nem esta é uma questão de estatística comparada.
Será inútil equiparar termos que não se comparam. A densidade de um sim não é a
mesma da de um não. O sim é leve, o não pesa. O sim absorve-se facilmente, o
não custa a digerir. São os nãos e nunca os sins que temos dificuldade de
engolir. Se aceitamos com facilidade e regozijo um sim, é uma indigestão o que
nos provoca o não. Donde se conclui que seriam precisos muitos sins para
assumir a força de um não.
Porém, uma boa parte das nossas existências, levamo-las a
conviver com nãos. Assumamos que são os nãos que ouvimos na nossa infância que
nos fizeram crescer como pessoas, que moldaram a nossa personalidade. Demos,
pois, esta de barato ainda que confunda pensar que essa personalidade é em
parte negativa porque alicerçada em nãos ouvidos, mais do que sentidos.
Só mais tarde pode sentir-se o não com mais força, logo mais
dor.
É difícil, por exemplo, imaginar uma repartição pública sem
o não. Pensem na Segurança Social, nas Finanças ou no Centro de Saúde. É possível marcar uma consulta para amanhã?
– Não. Já podem dizer-me alguma coisa
sobre o meu pedido do mês passado? – Não. Qual é a resposta ao meu requerimento? – Não. Não, não, não é a
resposta garantida, diz o senso comum. Até o senso comum é negativo porque foi
formado em nãos. A personalidade individual foi moldada com respostas
negativas, pelo que dificilmente o eu coletivo militaria primariamente no sim.
É a ordem natural a ditar a prevalência do não sobre o sim.
Seria incomportável uma sociedade local ou global sem negações nem interdições.
Uma comunidade política sem proibições não necessitaria de leis e, sem leis,
dizem, a comunidade não se aguentaria. Da mesma forma, qualquer religião se
mostraria insustentável sem restrições. Por mais sins que a religião abra, ela
precisa de nãos para se manter e para nos manter no seu caminho.
A luta está em conseguir o sim porque o não vem sempre em
primeiro lugar. Também há sins gratuitos mas aí é que está a esperança de viver
num sistema negativo. O valor de encontrar quem diga sim à primeira, sem ser
preciso insistir, só porque sim. É desses que vale a pena esperar alguma coisa,
é com esses que podemos contar. Com a certeza, porém, de que até a esses, nós poderemos
um dia ser capazes de dizer não.
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